Título: Caso se transformou em bandeira política do governo Lula
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2010, Economia, p. B8

Desafio aos EUA fortaleceu o Brasil como líder dos países pobres contra os subsídios [br]agrícolas dos ricos

Desde quando era embaixador em Genebra, Celso Amorim sabia detalhes do painel do algodão. Ele se indignava com a demora do Itamaraty. "Como não aprovaram isso ainda?", dizia a pessoas próximas.

Ao assumir o Ministério das Relações Exteriores no governo Lula, Amorim deu o aval para a abertura oficial do caso. O processo surgiu na administração Fernando Henrique, mas se tornou uma das bandeiras da política externa de Lula.

Os rumos do painel do algodão se misturaram com as prioridades dessa política externa e com o destino das negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio - para o bem e para o mal.

O contencioso ajudou a cacifar o Brasil como líder dos países pobres contra os subsídios agrícolas. O desafio aos EUA deu credibilidade ao País.

Cancún. Cinco meses depois do início do painel, em agosto de 2003, foi realizada a conferência da OMC em Cancún, no México. Havia muita expectativa sobre o encontro, mas os países não chegaram a um acordo.

O Brasil foi um dos responsáveis pelo fracasso, mas, ao mesmo tempo, saiu vitorioso. O País reuniu um grupo de nações em desenvolvimento, incluindo China e Índia, contra os subsídios agrícolas. Surgiu aí o G-20.

Depois disso, o caso do algodão caiu nas graças da mídia internacional. Artigos favoráveis saíram no The New York Times, no Wall Street Journal, no Washington Post, no Le Figaro.

Em setembro de 2004, a OMC condenou os subsídios americanos ao algodão. Os EUA recorreram, e perderam. Mesmo assim, não fizeram qualquer mudança em seus subsídios. Foi quando o Brasil deu uma trégua ao não pedir imediatamente a retaliação.

Os governos brasileiro e americano nunca confirmaram, mas negociadores afirmam que foi feito um "acordo informal". O Brasil deixou de pressionar com o painel em troca de os EUA se engajarem na Rodada Doha.

O Itamaraty gostaria que o Brasil fosse o grande condutor do acordo global de livre comércio. Ao mesmo tempo, uma boa negociação na Rodada resolveria o problema do algodão.

Em dezembro de 2005, Brasil e EUA chegaram afinados na conferência da OMC de Hong Kong e conseguiram algum avanço, mas sem conclusões. No painel do algodão, 2006 e 2007 foram gastos na burocracia.

Erro. Os analistas dizem que o erro do Brasil foi ter apostado tudo na Rodada Doha. Em julho de 2008, por intransigência de EUA e Índia, as negociações desandaram em Genebra. Um mês depois, o Brasil pediu à OMC para determinar o valor da retaliação aos EUA. Em dezembro de 2008, Amorim chegou a fazer duras críticas ao então presidente eleito dos EUA, Barack Obama.

"Mas o timing de utilizar o painel do algodão para influenciar na reforma da Farm Bill (lei agrícola dos EUA) de 2008 já tinha passado", disse André Nassar, diretor executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

Em agosto de 2009, a OMC determinou a retaliação em US$ 830 milhões. Desde então, o Brasil vem tomando todas as medidas administrativas. O País prefere um acordo, mas os americanos dizem que podem fazer pouca coisa até 2012, quando a Farm Bill será novamente discutida.

Na semana passada, negociadores americanos estiveram no País e sinalizaram alternativas. Se não for fechado acordo, o Brasil vai retaliar na quarta-feira. Só que sem o apoio maciço da opinião pública internacional que tinha nos velhos tempos.

REPERCUSSÃO

O "The New York Times" publicou, em dezembro de 2003, um editorial intitulado: "O caso contra King Cotton". O NYT chamou os subsídios de "injustos" e disse que a "subsistência dos países pobres do Oeste da África estava ameaçada". King Cotton era a maneira que os sulistas se referiam ao algodão na época da Guerra Civil.