Título: Brasil diz que não terá como repassar dinheiro à África
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2010, Economia, p. B8

Produtores africanos estão preocupados com o fato de o acordo feito pelo governo brasileiro com os EUA não os beneficiar

O Brasil não repassará dinheiro aos produtores de algodão dos países africanos, ainda que admita que pode estabelecer um projeto de cooperação. Como o Estado antecipou há dois dias, os governos africanos estão preocupados com a tentativa do Brasil de fechar um acordo com o governo americano para resolver a disputa do algodão. O temor é de que o Brasil obtenha benefícios e que os países africanos saiam da disputa sem nada.

A ideia dos africanos é de que parte dos recursos que serão dados pelos Estados Unidos para o setor privado brasileiro também acabe nos bolsos dos produtores do Mali, Benin, Chade e Burkina Fasso. No Itamaraty, essa possibilidade está afastada. Legalmente, o dinheiro da compensação seria transferido apenas dos americanos aos produtos brasileiros. A Associação Brasileira de Produtores de Algodão rejeita também o repasse do dinheiro, mas admite que pode desenvolver algum tipo de programa de cooperação.

Os governos africanos, então, se reuniram em Genebra com o embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo, e pediram que cópias do pré-entendimento fossem repassados a eles. Não existe um acordo em si, mas apenas uma troca de cartas entre os governos do Brasil e EUA.

Os governos africanos então se reuniram em Genebra com o embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo, e pediram que cópias do pré-entendimento fosse repassados a eles. Não existe um acordo em si, apenas uma troca de cartas entre os governos do Brasil e Estados Unidos.

Decepção. Os africanos ficaram surpreendidos com o fato de não terem sido informados antes das negociações. O governo de Burkina Fasso, por exemplo, garante que ficou sabendo do acordo pela imprensa.

Nicolas Imbodem, diretor da entidade Ideias Centre e assessor para os países africanos, não esconde a decepção com a posição adotada pelo Brasil.

"O acordo pode ser bom para ao Brasil, mas não para a luta contra os subsídios", disse. "Com um acordo, o Brasil perde força na negociação", afirmou.

O Itamaraty sabe que terá de lidar com os países africanos e já começa a debater formas de garantir que programas de cooperação ocorram entre o Brasil e o continente africano.

Mas, legalmente, os recursos dados pelos americanos teriam de ir diretamente para os produtores brasileiros. Portanto, não seriam repassado em dinheiro aos agricultores africanos.

Rede de apoio. O Brasil passou os últimos oito anos montando uma rede de apoio na África, abrindo embaixadas, estabelecendo escritório da Embrapa na região e adotando um discurso de apoio às causas africanas.

Os países africanos foram convidados a entrar na disputa quando o caso foi lançado em 2003, mas optaram por ficar de fora.

A pressão do governo americano contra esses países, além da fragilidade dos governos africanos, os deixou de fora da disputa. Agora, confessam aos diplomatas brasileiros que lamentam ter tomado essa decisão sete anos atrás.

Para lembrar Disputa foi ganha em 2005

No início da semana, o Brasil anunciou que adiaria a adoção de retaliações contra os Estados Unidos na guerra do algodão. Em 2005, o Itamaraty venceu uma disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC) que julgou que os subsídios eram ilegais. Agora, o Brasil poderia aplicar retaliações. Mas um pré-acordo firmado na segunda-feira, entre os governos brasileiro e americano, estabeleceu que Washington criaria um fundo para compensar os produtores de algodão do Brasil. O problema é que a disputa era a grande esperança dos países africanos para ver os subsídios americanos ser retirados. Alguns desses países tiveram sua produção de algodão arrasadas nos últimos anos diante da concorrência desleal da produção africana. Agora, a perspectiva de uma compensação ao Brasil é vista com desconfiança e os africanos querem fazer parte do pacote que deve beneficiar os agricultores brasileiros.