Título: Teólogo suíço quer que bispos desafiem a autoridade papal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2010, Vida, p. A18

Em carta aos bispos, Hans Küng pede concílio para discutir a crise e diz que pontificado atual perde oportunidades

O teólogo suíço Hans Küng, que trabalhou ao lado do atual papa entre 1962 e 1965 como conselheiro no Concílio Vaticano II e do qual se distanciou por questões doutrinárias, pediu que o clero católico se rebele contra o pontificado de Bento XVI.

Em carta a todos os bispos do mundo, publicada por vários meios de comunicação da Europa, Küng, suspenso como professor de teologia em 1979 por causa de posições progressistas, classificou o pontificado atual como o das "oportunidades perdidas". "Minhas esperanças, e as de tantos católicos e católicas comprometidos, desgraçadamente não se cumpriram", afirma o teólogo na missiva.

Küng também analisa os recentes escândalos de pedofilia na Igreja, os quais, segundo ele, levaram a "uma crise de confiança e de liderança sem precedentes". "Com razão, muitos pedem um mea-culpa pessoal do atual papa. Mas, lamentavelmente, ele deixou passar a oportunidade na Sexta-Feira Santa e, em troca, fez com que se testemunhasse sua inocência no Domingo de Páscoa", afirmou o teólogo, fazendo referência a uma incomum fala do cardeal Angelo Sodano em defesa do pontífice, pronunciada na missa da Ressurreição, antes do discurso de Páscoa de Bento XVI.

Para o suíço, "a política de restauração de Bento XVI fracassou. Todas as suas aparições públicas, viagens e documentos não são capazes de modificar, no sentido da doutrina romana, a postura da maioria dos católicos em questões controvertidas, especialmente em matéria de moral sexual". "Nem mesmo os encontros papais com a juventude, assistidos sobretudo por grupos carismáticos conservadores, podem frear os abandonos da Igreja nem despertar mais vocações sacerdotais", continua.

Küng pede que os bispos rompam o silêncio diante das diretivas do Vaticano que considerem errôneas, porque "a obediência incondicional só se deve a Deus". "Todos vocês, ao serem consagrados como bispos, juraram obedecer incondicionalmente ao papa, mas sabem que essa obediência incondicional não merece nenhuma autoridade humana". O teólogo rebelde lembra como São Paulo contradisse São Pedro, o primeiro papa, em episódio relatado na Carta aos Gálatas. Küng também pede a celebração de um concílio para discutir a crise.

Trechos da carta aberta aos bispos

HANS KÜNG TEÓLOGO

"Quando se trata de enfrentar os maiores desafios de nosso tempo, o pontificado de Bento XVI mais perdeu que aproveitou as oportunidades (....), como a de selar a paz com a ciência moderna, afirmando claramente a teoria da evolução e aceitando a pesquisa com células-tronco."

"Não há como negar que o sistema mundial de encobrir casos de crimes sexuais cometidos por clérigos foi arquitetado pela Congregação para Doutrina da Fé em Roma, sob o comando do cardeal Ratzinger (1981-2005)."

"Peçam um concílio: agora ele se faz necessário para resolver a escalada de problemas que pede uma reforma."

PARA ENTENDER Concílio rege fé e disciplina

Concílios são assembleias de autoridades da Igreja com funções judiciais e doutrinárias, de disciplina e de fé. Decisões tomadas nos concílios podem se tornar regras, como a definição de dogmas.