Título: Papa pede penitência, mas ataca críticos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2010, Vida, p. A18

Durante missa celebrada ontem no Vaticano, o papa Bento XVI voltou a abordar os casos de pedofilia no clero e convocou os católicos a "fazer penitência" e a "reconhecer os erros" cometidos. Ele também citou "ataques do mundo" contra a Igreja, que vem sendo acusada de se preocupar mais em evitar escândalos que punir sacerdotes culpados de abusos contra menores.

"Nós, os cristãos, nos últimos tempos, temos evitado a palavra penitência", disse o pontífice, durante a missa celebrada na capela Paulina. "Agora, após os ataques do mundo, que falam de nossos pecados, vemos que é necessário fazer penitência, reconhecer o que há de errado em nossa vida", continuou.

O líder da Igreja também instou os católicos a "abrirem-se ao perdão, prepararem-se para o perdão, deixarem-se transformar". "A dor da penitência quer dizer purificação e transformação. Essa é a graça. Significa renovação, obra da misericórdia divina", concluiu.

A fala de Bento XVI foi considerada como "uma espécie de mea-culpa" pelo vaticanista Bruno Bartoloni. "Não é uma declaração solene", afirmou o especialista. "O papa diz o que sente em seu coração em uma cerimônia íntima." É a primeira vez que o papa se refere diretamente às críticas pela atitude, considerada negligente, da mais alta hierarquia da Igreja diante das denúncias de pedofilia no clero.

Bento XVI foi acusado por importantes meios de comunicação alemães e americanos de ter fechado os olhos para os abusos cometidos por sacerdotes quando era arcebispo de Munique e nos 25 anos em que chefiou a Congregação para a Doutrina da Fé antes de ser eleito papa, em 2005. O teólogo Hans Küng pediu em carta aberta que os bispos se rebelem contra seu pontificado (leia nesta página).

Em sua inesperada e em boa parte improvisada homilia, pronunciada aos membros da Comissão Bíblica, Bento XVI condenou o que classificou como "ditadura do conformismo". "Reina o conformismo, pelo qual se torna obrigatório pensar como todos pensam, atuar como todos atuam. E a sutil ou menos sutil agressão contra a Igreja demonstra que esse conformismo pode ser uma verdadeira ditadura."

Ambiguidade. Para outro vaticanista, Marco Politi, "trata-se de uma homilia ambígua". "Porque o papa reconhece que chegou a hora de fazer penitência para lavar os pecados, mas não aceita o papel atribuído pelas polêmicas, condenando os escândalos como fruto da ditadura do conformismo". Segundo o especialista, a autoridade máxima da Igreja não reage com firmeza diante da "maior crise de credibilidade da história recente".

Diante da situação, o cardeal brasileiro Claudio Hummes, da Congregação para o Clero, convidou os "sacerdotes de todo o mundo" a se reunirem em junho na Praça de São Pedro para manifestar solidariedade ao pontífice. Outras iniciativas do tipo estão sendo preparadas para o próximo mês.

E na próxima segunda-feira, quando o pontificado de Bento XVI completa cinco anos, um elevado número de cardeais vindos de todo o mundo se reunirá no Vaticano como gesto de apoio ao papa. O ato, pouco comum, assinala a gravidade da crise pela qual passa o sucessor de João Paulo II.

PONTOS-CHAVE

"Prece perpétua" Em 2008, o cardeal brasileiro Claudio Hummes, falando em nome do papa Bento XVI, conclamou que todos os católicos rezassem para purificar a Igreja da pedofilia.

Na Alemanha Com a aprovação do papa, a Conferência Episcopal alemã nomeou em março o arcebispo Robert Zollitsch como responsável por tratar dos casos de pedofilia envolvendo o clero.

Carta à Irlanda O papa, em carta aos fiéis irlandeses no final de março, pediu desculpas por abusos sexuais e criticou bispos do país por "graves erros de julgamento" na condução dos casos.