Título: Fundos sem fundo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2010, Notas e informações, p. A3

Já alcança proporções assombrosas ? e, pelo que se tem visto, não para de crescer ? o esqueleto financeiro deixado nos cofres públicos por maus gestores e fraudadores que administravam os fundos constituídos com recursos fiscais para desenvolver o Norte e o Nordeste, ou deles se beneficiavam. Em 2001, quando deixaram de financiar novos projetos, estimava-se em R$ 3,9 bilhões os desvios dos recursos dos Fundos de Investimentos do Nordeste (Finor, com rombo de R$ 2,2 bilhões) e da Amazônia (Finam, com R$ 1,7 bilhão). No último relatório do Ministério da Integração Nacional sobre esses fundos, de 2008, o rombo foi calculado em R$ 12,2 bilhões, mais do triplo do valor inicialmente previsto. Pela conta mais recente, as perdas já chegam a R$ 16,6 bilhões, mais do quádruplo das perdas previstas em 2001, e que não eram pouca coisa.

Eram frequentes as denúncias de má utilização dos incentivos fiscais criados para desenvolver o Norte e o Nordeste. Em 2000, elas tiveram grande repercussão política por envolver os senadores, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), então presidente da Casa, e Jader Barbalho (PMDB-PA). Barbalho foi eleito para suceder Magalhães no cargo, mas renunciou ao mandato para evitar sua cassação, pois um dos projetos denunciados como irregulares tinha como sócia sua mulher.

Em 2001, o então presidente Fernando Henrique extinguiu as Superintendências do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia (Sudam), que administravam recursos originários de incentivos fiscais, criando em seu lugar agências de desenvolvimento regional, e na prática extinguiu o Finor e o Finam, que, como esclarece o Ministério da Integração Regional, "estão fechados para novos projetos" desde aquela época. Não se registram, por isso, novas fraudes na utilização dos recursos dos dois fundos. Mas as que já tinham sido praticadas são vultosas.

De acordo com reportagem publicada segunda-feira no jornal O Globo, 72 empresas continuam ativas no Finor (receberam financiamento e estão quitando as parcelas no prazo), 970 projetos estão em situação de "devolução duvidosa", 44 foram investigados no ano passado (8 foram considerados irregulares) e 39 empresas estão sendo cobradas na Justiça por uso indevido dos recursos. No caso do Finam, há 352 empresas ativas, 601 em situação de "devolução duvidosa", 129 foram investigadas (39 foram consideradas irregulares) e 154 estão sendo cobradas na Justiça. As provisões, com recursos do Tesouro Nacional, para os empréstimos duvidosos somam R$ 11,3 bilhões no Finor e R$ 5,3 bilhões no Finam.

Funcionários do Departamento de Gestão dos Fundos de Investimentos (DGFI) do Ministério da Integração costumam lembrar o importante papel que os projetos estimulados por incentivos fiscais tiveram no desenvolvimento das duas regiões beneficiadas. Citam, como exemplo desse papel, a criação do polo têxtil no Ceará, do parque hoteleiro do litoral do Nordeste e do polo de fruticultura no vale do Rio São Francisco. Citam também grandes empresas industriais com sede nas Regiões Sudeste e Sul que, atraídas pelos incentivos fiscais, instalaram unidades de produção no Nordeste.

De fato, muito do desenvolvimento das Regiões Norte e Nordeste se deve a projetos incentivados. Mas a má gestão foi a marca desses fundos. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito constituída no Senado depois da briga entre Magalhães e Barbalho para investigar o Finor constatou que a Sudene, que geria esse fundo, dispunha de um péssimo sistema de informação, não tinha critérios para seleção e aprovação de projetos, seu sistema de acompanhamento e de fiscalização dos empreendimentos e incentivos era muito falho e não havia transparência na utilização dos recursos.

O resultado disso são 193 ações na Justiça de cobrança dos recursos mal aplicados ou simplesmente embolsados por protegidos de políticos influentes. Será muito difícil recuperar o dinheiro. Muitas empresas desapareceram, outras estão em nome de "laranjas" que não têm como ressarcir o Tesouro. "É dinheiro perdido", admitiu o procurador da República no Pará Ubiratan Cazzeta.