Título: Tampão de bueiro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2010, Notas e informações, p. A3

O governador eleito pela Câmara Distrital do Distrito Federal (DF) - pelo voto de 13 dos 24 deputados -, para o mandato-tampão até 31 de dezembro, tem as seguintes características: é cria política dos dois últimos governadores, José Roberto Arruda (sem partido) e Joaquim Roriz (PSC), embora fizesse parte de uma coalizão de adeptos do primeiro contra os que apoiam o segundo, que lidera as pesquisas para a eleição direta de outubro; não só integrou as administrações dos dois governadores, como presidiu, no governo Arruda, a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), um dos principais focos de corrupção investigados pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal. Refestelaram-se nesse lodaçal as cúpulas dos Poderes Legislativo e Executivo do Distrito Federal.

Registre-se ainda que 8 dos 13 deputados distritais que elegeram o novo governador - para substituir o cassado José Roberto Arruda, que passou dois meses na cadeia - também estão diretamente comprometidos com o escândalo do "mensalão do DEM". Não falta na lista quem tenha sido flagrado embolsando dinheiro ilícito nem quem tenha sido preso preventivamente.

Vê-se, pois, que o ambiente político onde se produziram algumas das cenas de corrupção mais escandalosas da história da República não mudou nem um pouco, desde a denúncia do propinoduto até a eleição indireta do governador-tampão. Encenou-se o espetáculo da normalidade institucional em benefício, em última instância, das mesmas pessoas que controlavam o bueiro moral em que se tornou a capital da República.

Dez candidatos haviam se inscrito para concorrer ao mandato-tampão. Quatro deles efetivamente concorreram e, após idas e vindas, surgiu o vencedor, que passou a contar com o apoio de entidades de classe, como a OAB, do maior partido da base política do governo federal - o PMDB - e de uma oposição "moderada", de deputados distritais do DEM e do PSDB, que não sufragaram seu nome.

Aliás, como o candidato vitorioso - o advogado Rogério Rosso - era aliado de Joaquim Roriz e mudou de lado, aderindo a seu principal oponente político, o deputado federal Tadeu Filipelli, que dirige o PMDB de Brasília, fala-se que agora existe no Distrito Federal um "palanque de ponta" para a ex-ministra Dilma Rousseff, ungida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como candidata a sua sucessão - seja lá o tipo de gente que frequentará o tal palanque.

Todos os candidatos ao mandato-tampão, assim como as correntes políticas que promoveram a eleição indireta, empenharam-se numa campanha aberta contra o pedido de intervenção federal no DF, que está para ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal. As forças políticas brasilienses têm-se unido com o objetivo de preservar a autonomia política da capital da República, tendo em vista poupá-la do vexame de uma intervenção federal.

Mas, por mais complicada que seja a imposição de um governo interventor - medida inédita durante a vigência da Constituição de 1988 -, bem é de ver que esta seria a única solução para a mudança efetiva, ética, jurídica e política, que necessitam os Poderes Executivo e Legislativo do Distrito Federal, contaminados todos pela corrupção.

Para que a sociedade brasileira pudesse confiar na possibilidade de a vida política do Distrito Federal vir a recuperar um padrão moral civilizado, livrando-se de página tão nauseante de sua história, necessário seria que alteração drástica ocorresse no equilíbrio das forças políticas regionais. Em outras palavras, os costumes políticos - e, especialmente, eleitorais - da capital da República precisariam sofrer uma radical limpeza para que a população brasiliense deixasse de sentir o constrangimento moral que sofre, desde a eclosão do famigerado "mensalão do DEM".

E a esta altura talvez o que menos interesse àquela população sejam as démarches em torno das candidaturas à sucessão presidencial, porquanto é na política regional que percebe as trágicas consequências da corrupção, não apenas arraigada, como também crônica, que só a mudança verdadeiramente radical de hábitos na vida pública é capaz de remover.