Título: Os apagões punidos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2010, Notas e informações, p. A3

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) multou Furnas em R$ 53,7 milhões pela falta de investimentos no sistema de transmissão da energia da Hidrelétrica de Itaipu para os centros consumidores, do que resultou o colapso de 10 de novembro de 2009. Reportagens do Estado e do jornal Valor, no fim de semana passado, mostraram não só o atraso nos investimentos de Furnas, como a deterioração generalizada desses serviços. A Aneel não está isenta de responsabilidade por essa situação, pois tem a obrigação de fiscalizar as empresas ? e está falhando na tarefa.

Comparando os dois últimos verões, o número anual de horas sem energia passou de 10 a 11 horas para 15 a 17 horas, dependendo da prestadora do serviço. Em média, na Região Sudeste, o número de horas sem energia, por ano, passou de 10, em 2009, para 13, em 2010. Na área da Eletropaulo foi ainda pior, de 10 para 17 horas/ano.

Como elo final da cadeia elétrica, as distribuidoras de energia são afetadas por falhas na transmissão feita por terceiros e pela falta de investimentos próprios. O colapso das linhas de Itaipu apenas agravou, em resumo, o problema de falta de investimentos.

A Light, do Rio, foi multada pela Aneel em R$ 3,9 milhões, em 2008, e novamente em fevereiro, em R$ 9,5 milhões, por descumprimento dos indicadores de qualidade. A Ampla, que também atua no Rio, terá de indenizar 500 mil clientes em R$ 3 milhões neste mês. A Companhia Energética de Brasília (CEB) recebeu, em 2009, multas de R$ 16 milhões ? e esse valor sobe a R$ 42 milhões, se computadas as multas desde 2002.

Miniapagões tornaram-se frequentes em todo o País ? e não apenas devido às chuvas. O diretor da Aneel, Nelson Hubner, afirmou que há blecautes sem justificativa e blecautes justificados ? mas, entre estes, citou somente o que afetou a cidade de Angra dos Reis, em janeiro.

As distribuidoras têm ampliado os investimentos, segundo a associação de classe (Abradee), mas em ritmo inferior ao do aumento do consumo. O diretor da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace), Ricardo Lima, teme que recursos que deveriam ser empregados em investimentos possam ter sido destinados a remunerar os acionistas. As empresas de energia, tradicionalmente, pagam altos dividendos.

Um dia depois de ser multada, Furnas tentou se defender, divulgando nota de esclarecimento em que anuncia que entrará com recurso, ressaltando que "a manutenção de suas linhas de transmissão é feita de forma adequada". Afirma que está no site da Aneel uma "Manifestação de Furnas", mas no site constou, segunda-feira, que "as consultas aos Relatórios de Acompanhamento das Fiscalizações estão temporariamente fora do ar, por motivos de manutenção no Sistema de Gestão da Fiscalização".

Segundo um diretor da agência reguladora, Edvaldo Santana, empresas como Light e CEB estão em processo permanente de fiscalização ? logo que termina uma fiscalização, começa outra. Mas, enquanto o governo federal faz propaganda dos investimentos públicos em eletricidade, a Aneel recebe menos da metade dos recursos cobrados dos consumidores a título de Tarifa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica. Nos últimos quatro anos foi arrecadado R$ 1,37 bilhão, mas só foram creditados R$ 559 milhões à agência reguladora.

Sem recursos nem fiscais em número suficiente a Aneel fiscaliza mal. Só assim se explica que os problemas com as linhas de transmissão de Furnas fossem conhecidos desde 2003 e estejam sem solução até hoje. Ferrugem nos isoladores, nas estruturas metálicas e nas conexões de aterramento foram encontradas na linha Ivaiporã-Itaberá ? que caiu, em novembro. O relatório foi assinado por sete técnicos da Aneel. Devido ao apagão, foram ligadas usinas termoelétricas ? e o custo recairá no consumidor.

Com a complacência do governo federal, grandes empresas do sistema elétrico deixaram de investir e os consumidores pagarão a conta. Enquanto isso, o governo insiste na "modicidade tarifária", sem considerar o custo real da demagogia.