Título: Bric de barro mostra sua fragilidade
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2010, Economia, p. B11

A cada vez que pisa o solo europeu, Jim O"Neill, economista-chefe do banco americano Goldman Sachs, ouve a mesma interrogação: a Rússia deve mesmo fazer parte do Bric? Ferrenho defensor do acrônimo que criou em 2001 para se referir às perspectivas de crescimento econômico no Brasil, na Rússia, na Índia e na China, O"Neill titubeou na última vez em que esteve em Londres, há um mês. "Eu recebo todos os dias várias mensagens que me dizem que a Rússia não deve fazer parte do Bric. A meu ver, é um sinal negativo."

A contestação em torno da capacidade da economia russa em continuar crescendo em níveis acima da média mundial vem aumentando na Europa e nos EUA. O fim da lua-de-mel com o país aconteceu com a eclosão da crise do sistema financeiro, em 2008, que resultou em um profundo mergulho no ano seguinte, quando o Produto Interno Bruto (PIB) do país recuou 7,9%.

A queda ao inferno começou quando do derretimento temporário do preço do barril de petróleo, que chegou a US$ 130 em 2008. Com o recuo brutal das exportações e o impacto na arrecadação pública, amplificada pela crise de crédito, bancos e companhias privadas se viram sem linhas de financiamento.

No intervalo de meses, buracos nas contas privadas se multiplicaram em dívidas muitas vezes impagáveis, causadas pela diminuição no preço das ações de empresas e pela desvalorização do rublo. O resultado foi a maior turbulência desde o fim da União Soviética, em 1991.

O quadro negativo não apenas reverteu um ciclo de 10 anos de crescimento - a "Era Putin" -, como também expôs as fragilidades do mercado russo. O "petroestado", como é definido por economistas europeus, é excessivamente dependente das exportações de petróleo e matérias-primas, tem uma moeda fraca, um mercado consumidor interno encolhido e vê a degradação paulatina de seu parque industrial. Some-se a isso um Estado minado pela corrupção.

Debilidade. A conjugação de debilidades levou um alto economista da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) a definir a Rússia, em uma conversa informal com a reportagem do Estado, como "o Bric de barro". As fragilidades também têm sido abordadas por publicações especializadas da Europa, como a revista The Economist.

"O futuro da Rússia é menos previsível e a modernização é mais ilusória do que ambas eram na década passada", afirmou a revista. O diagnóstico é compartilhado por O"Neill. Questionado em Londres sobre a retomada da atividade econômica global, o economista afirmou: "China, Índia e Brasil se aproximam do boom econômico." Já sobre a Rússia, que não cresceria mais de 3% ao ano, nos seus cálculos, ele foi menos generoso. "Não há nenhum boom na Rússia."

Mais ou menos pessimista, o diagnóstico é compartilhado por economistas russos ouvidos pelo Estado. "Estou muito convicto de que a Rússia vai voltar a crescer já neste ano. O problema é que, em longo termo, o cenário de 3% é muito provável. É isso que nos causa preocupação", disse Sergei Guriev, economista, escritor e reitor da New Economic School, de Moscou. Para ele, uma mudança radical no processo de desaceleração passa pela liberalização política do país, até aqui sufocado pelo "Estado forte" das gestões de Vladimir Putin e Dmitri Medvedev.

Alexander Dynkin, diretor do Institut of World Economy and International Relations (Imemo), também de Moscou, é um pouco mais otimista: estima que o país pode crescer 5% ao ano na década. Mas faz a mesma análise sobre a dependência das matérias-primas e a defasagem industrial e tecnológica crescentes. "Há muitos pontos negativos conexos ao fato de a Rússia ser uma espécie de petroestado. O país depende demais da conjuntura global e não é diversificado", diz. "Não devemos parar a exploração de petróleo, mas precisamos desenvolver, diversificar, inovar em outros setores."