Título: Regime fiscal já não é o mesmo no País, diz economista
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2010, Economia, p. B6

A flexibilização da política de gastos públicos nos últimos anos já configura, para alguns analistas, uma mudança do regime fiscal. O economista José Roberto Afonso, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), escreveu em recente trabalho que "as convenções que marcam a política fiscal já foram mudadas no Brasil."

Segundo essa visão, o sistema de metas de superávit primário acima de 3% do PIB, implantado em 1999, que ajudou o Brasil a superar a crise da desvalorização do real, já deixou de vigorar na prática. A novidade que coroou esse processo estaria no Projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2011, pelo qual o superávit primário poderá ser reduzido "até o montante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)."

A diferença em relação à LDO de 2010 é que, nela, a redução da meta do superávit pelos investimentos do PAC está precisamente estipulada em R$ 22,5 bilhões, o que significa que há um limite ao governo para o tanto que pode ser deduzido.

Carimbo. Para Afonso, que está cedido como assessor ao Senado, "não haverá mais teto financeiro para o abatimento, basta o carimbo na dotação para investimento no Orçamento". O economista ironiza o novo dispositivo em seu relatório, escrevendo que "é provável que sejam feitas juras de amor ao superávit primário, mas, diante da lei e do controle que importa, o governo pede que não seja mais prefixada uma meta para o superávit primário."

Afonso nota ainda que a meta de superávit na LDO de 2010 é fixada como porcentual do PIB, enquanto, no PLDO de 2011, ela é um valor absoluto, de R$ 125,5 bilhões, que corresponderia a 3,3% do PIB.

Para o economista, "a nova meta móvel só coroa um longo e diversificado processo em que foi minada a credibilidade dos indicadores fiscais tradicionais". Afonso cita, por exemplo, o aumento da dívida pública bruta, de pouco mais de 50% do PIB no início da década para 62,5% em 2010. Isso despertou dúvidas sobre se a trajetória bem mais comportada da dívida líquida deveria continuar a ser preponderante na análise de risco do Brasil.

O principal fator de aumento da dívida bruta foi o acúmulo de reservas internacionais, que faz o governo se endividar internamente para adquirir as divisas aplicadas no exterior. Mas os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos, especialmente ao BNDES, que devem somar R$ 180 bilhões, também estão dando uma contribuição importante.

No seu trabalho, Afonso cita diversos outros pontos que representam, para ele, a mudança da "convenção fiscal", como o uso crescente de restos a pagar no Orçamento, a conversão de depósitos judiciais em caixa, e o que seria a conversão do lucro cambial do Banco Central em 2008, de R$ 185 bilhões, em superávit financeiro. Os Ministérios da Fazenda e do Planejamento foram procurados pelo Estado para comentar a análise de Afonso, mas não se pronunciaram.