Título: Grécia cria dilema para BC europeu
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2010, Economia, p. B1
Banco fixou nota mínima para continuar bancando títulos e Grécia deve cair abaixo da meta, mas instituição ainda não sabe o que fazer
O rebaixamento dos títulos da dívida da Grécia pela agência Standard & Poor"s (S&P) a BB-, ou "grau especulativo", deve obrigar o Banco Central Europeu (BCE) a se descolar das classificações de mercado ou a abandonar o governo e os bancos gregos à própria sorte.
Isso ocorrerá porque em março a autoridade monetária da zona do euro fixou o patamar de BBB- como piso de qualidade das garantias "colaterais" que recebe em troca de refinanciamento. Caso as concorrentes Fitch e Moody"s sigam o exemplo e rebaixem as obrigações gregas a "junk", o colégio de presidentes de bancos centrais será confrontado ao dilema - e a resposta é, até aqui, desconhecida.
A decisão técnica sobre a aceitação ou não das obrigações da dívida grega tornou-se motivo de preocupação no primeiro trimestre. Desde sua criação, há 10 anos, o BCE mantinha um acordo com o mercado: quando bancos centrais ou instituições privadas precisassem de refinanciamento, seriam autorizadas a depositar os chamados colaterais - produtos financeiros que servem como garantia de reembolso. Até o início da crise grega, a autoridade monetária não aceitava papéis com notação inferior a A-, considerados de alta segurança para os investidores.
Exigência menor. Com a sucessão de rebaixamentos da nota grega desde dezembro de 2009 - em março o país passou a ser considerado BBB+ pela S&P - , o conselho de presidentes dos bancos centrais da zona do euro foi obrigado a agir, rebaixando seu nível de exigência para BBB-. Por esse critério, se outra agência - Fitch ou Moody"s - seguir o exemplo da S&P e também vier a rebaixar a Grécia a BB-, os títulos gregos em tese não poderão mais ser aceitos.
Para contornar a situação, as opções técnicas na mesa do presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, são basicamente três: ou deixa de aceitar os títulos gregos como colaterais, ou reduz mais uma vez o piso da nota, ou extingue qualquer exigência mínima. Se optar por abandonar as obrigações gregas, o governo e os bancos do país perderão a capacidade de obter refinanciamento do BCE, ampliando suas dificuldades financeiras. Por outro lado, se abolir o piso, Trichet se distanciará das agências de notação e abrirá mais um flanco de instabilidade no euro.
Tema delicado. Na Europa o tema é considerado muito delicado. Questionada na sexta-feira, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) não quis se posicionar. Estrategista do banco Barclays, Gillaume Sciard prevê que Trichet vai se descolar das agências de classificação de risco e aceitar as obrigações governamentais. "O BCE seguramente aceitará os títulos, mas possivelmente exigirá que os bancos se reestruturem bastante e procurem parceiros."
Para contornar o problema, o presidente do BCE já antecipou que o banco mudará seus critérios a partir do próximo ano. "Nós vamos introduzir, a partir de janeiro de 2011, um calendário progressivo de redução das cotas, que continuarão a proteger o "eurosistema" de maneira adequada", afirmou o francês, sem fornecer detalhes.
Soberania. Por trás da decisão técnica de Trichet, há pelo menos duas questões políticas segundo especialistas. De um lado, o BCE precisa sinalizar ao mercado seu apoio irredutível à Grécia, único meio de evitar a falência do país.
De outro, ao se dissociar das agências, reafirma sua soberania absoluta sobre a zona do euro, minimizando a influência do mercado e o impacto de futuros rebaixamentos em Portugal e Espanha.