Título: Pena que Lula não lê nada
Autor: Siqueira, Ethevaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2010, Economia, p. B17

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já confessou diversas vezes que não lê jornais, nem revistas, nem, muito menos, livros. Mesmo assim, gostaria de fazer-lhe um pedido público, como cidadão brasileiro.

Presidente, abra uma exceção em sua vida e leia um texto de poucas páginas: o comunicado (estudo) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que pode ser baixado no site www.ipea.gov.br e tem o título geral de "Análise e Recomendações para as Políticas Públicas de Massificação de Acesso à Internet em Banda Larga".

Vale a pena lembrar que o Ipea não é nenhum órgão de oposição, mas um instituto de prestígio, de grande competência técnica e independente, vinculado à Secretaria de Estudos Estratégicos (SAE), da Presidência da República. Nada mais lógico e natural, portanto, que o presidente da República lhe dê atenção especial, lendo esse texto excepcional divulgado na semana passada.

Se vier a ler o estudo, o presidente talvez reaja com sua tradicional sutileza, dê um murro na mesa e mude totalmente os rumos, até aqui quase secretos, da elaboração do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e mandando dois funcionários de segundo escalão (seu assessor especial, Cesar Alvarez, e Rogério Santanna, secretário de Logística do Ministério do Planejamento) pararem de soltar balões de ensaio políticos e ideológicos sobre a banda larga.

Por seu tratamento técnico, objetivo e independente, o estudo do Ipea mostra, sem distorções ideológicas e com objetividade, o problema da banda larga. E focaliza tudo que os porta-vozes petistas insistem em esconder ou negar.

Diagnóstico.[ ] [/ ]O documento do Ipea é, de longe, o melhor diagnóstico da situação da banda larga no Brasil já feito pelo governo nos últimos sete anos. Logo no início do texto, mostra o desequilíbrio e a baixa concentração da banda larga em diversos Estados brasileiros, lembrando que a banda larga está presente em apenas 2.583 dos 5.565 municípios. Isso significa 46,6% do número total de municípios brasileiros, embora neles se concentrem mais de 80% da população do País.

É claro que o estudo poderia ter aprofundado um pouco mais quatro questões básicas: 1) Por que a banda larga é escassa e mal distribuída no País? 2) Por que ela se concentra apenas nas regiões mais ricas e mais populosas? 3) Por que ela é tão cara? 4) A quem caberia há muito mais tempo o dever e a responsabilidade de formular uma política nacional de banda larga?

A primeira resposta, a rigor, está nas entrelinhas do estudo, ao sugerir que o País nunca teve uma política pública de massificação e universalização da banda larga, por omissão do próprio governo federal, ao qual caberia a elaboração dessas diretrizes.

O documento reconhece que o Brasil precisa de uma nova legislação de Comunicações, pois a atual está, em sua maior parte, obsoleta. Mesmo a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de 1997, já está desatualizada em muitos aspectos. Na verdade, o governo Lula praticamente ignorou todos os grandes problemas das Comunicações, de 2003 até 2009. Só descobriu este ano, por razões eleitorais.

Segunda resposta: a banda larga se concentra principalmente nas grandes cidades e regiões mais ricas porque as concessionárias e operadoras autorizadas não têm qualquer obrigação legal de levá-la a todo o País, como no caso da telefonia fixa, já que seus contratos de concessão não impõem essa universalização.

Assim se comporta qualquer empresa privada no mundo: só atende às áreas mais rentáveis. Aliás, como fazia a Telebrás até 1998, mesmo sendo estatal.

A terceira resposta está explícita no documento, ao afirmar que "são três os fatores que contribuem para o alto preço do serviço: baixo nível de competição, elevada carga tributária e baixa renda da população".

Em seguida, o documento afirma que, embora o governo federal tenha diversos projetos de inclusão digital, "a alta carga tributária incidente sobre os serviços de telecomunicações tem sido uma fonte de receita para o Tesouro, o que vai contra a política de massificação".

Exemplo mundial. O estudo faz excelente análise das políticas públicas e estratégias de banda larga de diversos países, mostrando, por exemplo, que "políticas de livre acesso (open access), em particular a desagregação de redes (unbundling)", facilitam enormemente a entrada de competidores, o que aumenta o investimento, melhora as velocidades, induz o progresso tecnológico, reduz preços ou propicia inovações de serviços.

O documento ressalta ainda que é muito importante fortalecer a agência setorial, visto que "um regulador comprometido em aplicar políticas de livre acesso é mais importante do que a adoção formal da política".

Sugestões. O estudo, então, sugere que a banda larga seja designada como serviço a ser prestado no regime público e, portanto, sujeito a metas de universalização compulsórias.

Essa designação é outra omissão do governo do presidente Lula, que só veio a tomar a iniciativa neste oitavo ano de administração, por razões eleitorais.

E, por fim, a sugestão óbvia de se utilizar na banda larga "os vultosos recursos do Fundo Nacional de Universalização das Telecomunicações (Fust)" - que tem sido, até aqui, pura e simplesmente confiscado, como fonte de superávit primário.