Título: Temor de contágio derruba mercados
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2010, Economia, p. B4
Bolsas fecham pregão em forte queda com rumor de que a Espanha teria pedido ajuda financeira; no Brasil, Petrobrás reforça queda
O Estado de S.Paulo
As incertezas em relação ao pacote de ajuda à Grécia e o temor de que a crise contagie outros países da Europa, como Portugal e Espanha, sacudiram o mercado financeiro ontem no mundo inteiro. As bolsas de valores despencaram, as moedas locais caíram em relação ao dólar e os títulos americanos voltaram a ter forte procura pelos investidores, num movimento típico de pânico.
No Brasil, o Ibovespa (principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo/BM&F) caiu 3,35%, para 64.869 pontos, no menor nível desde fevereiro.
Na outra ponta, o dólar teve a maior alta porcentual dos últimos três meses, de 1,79%, cotado a R$ 1,761. "Esperava-se que o pacote colocasse uma pá de cal na desconfiança dos investidores, mas vimos o contrário. O mercado voltou a ficar incomodado com a Grécia", disse o economista-chefe da Modal Asset, Alexandre Póvoa.
Resultado disso foi uma debandada geral dos investidores dos ativos de risco para ativos considerados mais seguros, como o dólar, ouro e títulos americanos.
Na Europa, a aversão ao risco fez a Bolsa de Paris recuar 3,64%; Madri, 5,41%; Frankfurt, 2,60; Londres, 2,56; Milão, 4,46%; e Lisboa, 4,21%. O euro caiu abaixo de US$ 1,30 e atingiu o nível mais baixo em um ano.
A maior dúvida dos investidores refere-se ao alcance do pacote de ajuda à Grécia, de 110 bilhões, anunciado domingo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela União Europeia (UE). O economista da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, explica que o ajuste fiscal pedido aos gregos é muito forte e não há certeza de que o país vá conseguir cumprir as metas estabelecidas.
Além disso, completa ele, há uma grande preocupação de que a crise se alastre por outras economias da Europa, também com problemas fiscais. No topo da lista, estão Espanha e Portugal, que terão de se endividar ainda mais para ajudar os gregos. "Eles terão de pegar dinheiro no mercado a uma taxa mais alta para ajudar à Grécia. É como se estivessem aumentando o seu déficit."
O próximo. Diante de tanta desconfiança, o mercado começa a olhar quem será o próximo, como ocorreu nos Estados Unidos, com a crise financeira, lembra Póvoa, da Modal Asset. Um teste deve ocorrer ainda este mês, com vencimentos de Portugal e Espanha. Segundo o Barclays, em maio vencem 5,6 bilhões em bônus e 1,3 bilhão em títulos do governo de Portugal. Em julho, será a vez da Espanha, que tem 17,7 bilhões em bônus e 7,6 bilhões em títulos.
Não bastassem todas essas dúvidas, os investidores tiveram ontem outra notícia indigesta: o arrefecimento das atividades da China, resultado dos apertos de liquidez promovidos nos últimos meses pelo governo do país. A medida pode reduzir o consumo, especialmente de commodities, o que afeta diretamente o Brasil.
A notícia, aliada ao mau humor do mercado por causa da Grécia, derrubaram os papéis da Vale, uma das principais fornecedoras de minério da China. As ações ordinárias da empresa recuaram 3,84% e as preferenciais, 4,52%.
O desempenho dos papéis da mineradora e da Petrobrás, que foi rebaixada pelo JP Morgan e pelo UBS por causa do processo de capitalização, contribuíram para o resultado negativo da Bovespa, ontem. / COLABOROU TAÍS FUOCO
Para entender
Situação fiscal parecida leva a contágio
O motivo de Espanha e Portugal pegarem carona na crise da Grécia é a delicada situação fiscal de cada país. Segundo um levantamento do ING, os três países têm as piores relações entre o déficit fiscal e de conta corrente, comparados ao PIB. Já os países em desenvolvimento aparecem em situação mais confortável, avalia o estrategista-chefe de emergentes do banco, Charles Robertson. Segundo ele, é a composição de rombos no orçamento e também na conta corrente, sintoma do nível de poupança e consumo de um país, que faz o mercado punir atualmente a Espanha, mas não a França, por exemplo. A França tem dívida pública (cerca de 80% do PIB) e déficit orçamentário (7,5%) superiores à Espanha. No entanto, a conta corrente espanhola é mais problemática, com déficit superior a 5%. Grécia, Portugal e Espanha são os únicos países que têm combinação de saldo negativo em conta corrente acima de 5% com déficit fiscal superior a 6%. Dos emergentes, nesse quesito, dois países estão vulneráveis, a Índia, único país asiático com déficit em conta corrente, e a África do Sul.