Título: Dívida grega tem de ser reestruturada
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2010, Economia, p. B8
Economista da Universidade da Califórnia em Berkeley
O Estado de S.Paulo
A Grécia não tem outra saída senão reestruturar sua dívida. A avaliação é do economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Para ele, a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo grego estão administrando muito mal a crise do país, e já deveriam ter apresentado um programa de reestruturação da dívida, nos moldes do calote argentino de 2002, quando anunciaram, no último fim de semana, o pacote de socorro de 110 bilhões. Eichengreen acha, porém, remota e desastrosa a ideia de a Grécia abandonar o euro. Ele é autor de um conhecido trabalho acadêmico, posteriormente resumido em artigo à imprensa, que mostra que uma tentativa de sair do euro produziria imensa desvalorização da nova moeda e uma crise financeira de proporções épicas. Articulista do Estado, o economista falou por telefone com a reportagem.
O que o sr. acha da possibilidade de a Grécia abandonar o euro?
Se o governo estiver preparado para fechar o sistema financeiro e fazer um corralito como na Argentina, e fechar os mercados financeiros por semanas, poderia então promover um debate sobre a reintrodução da dracma e fazê-lo. Mas nós vimos o que aconteceu nas ruas da Grécia esta semana. Imagina como eles reagiriam se o presidente aparecesse na TV e dissesse que está fechando os bancos e suspendendo o acesso das pessoas às suas contas bancárias, proibindo-as de comprar e vender ações e bônus nos mercados e talvez até de sair do país temporariamente enquanto se faz o novo arranjo cambial. Sair do euro significaria uma crise muito maior do a que a Grécia experimentou até agora. Seria uma situação muito mais difícil do que a da Argentina em 2001.
O que a Grécia tem de fazer?
Eles terão de reestruturar a sua dívida, e isso é totalmente diferente de sair do euro. Na verdade, o FMI cometeu um erro por não ter feito da reestruturação da dívida parte do pacote que anunciou no fim de semana passado. Os mercados não acreditaram no pacote. E os spreads (juros) dos bônus gregos não declinaram, porque o programa do FMI mostra que a dívida grega continua a crescer como proporção do PIB por mais quatro anos, chegando a um pico de 150%. Isso não vai funcionar, e os gregos terão de reestruturar. Com a ajuda do FMI e da União Europeia, os detentores de bônus terão de incorrer substanciais perdas. Os mercados estão excitados e voláteis, porque o governo grego, o FMI e a Comissão Europeia estão em estado de negação sobre isso. Esse é o problema fundamental.
O sr. sabe quando isso vai acontecer?
Sabemos que, quanto mais eles esperarem, mais difícil vai se tornar e mais caro será para todo mundo envolvido. O problema é que ninguém fez o trabalho preparatório. Eles deveriam ter um plano de reestruturação para anunciar no domingo passado. E diriam, que além de tudo o que foi decidido na ocasião, os detentores de bônus da Grécia teriam um menu com três tipos de bônus novos para escolher. Se o investidor estivesse disposto a incorrer num grande desconto, poderia pegar um bônus de curto prazo, e sair em dois anos. Quem estivesse disposto a ficar com um bônus de dez anos perderia menos. Haveria 60 dias para decidir, e até o fim do prazo a expectativa seria de obter 90% de participação e os antigos bônus perderiam validade. Só estou exemplificando, claro. A Argentina fez isso em 2002 e o fato de que a Grécia não fez ainda é um problema muito sério.
É possível fazer uma reestruturação da dívida grega de forma ordeira?
Acho que sim, e é essencial que o façam, para que consigam obter a cooperação que precisam dos parceiros sociais.
Como assim?
O grande problema é saber como os sindicatos, os aposentados e todo mundo aceitarão grandes cortes, de 10% ou mais, nos seus salários, aposentadorias e benefícios, enquanto 10% do PIB estará indo para os detentores de bônus - assim é o plano atual. As pessoas pensam: todo mundo vai levar uma pancada nos seus rendimentos e 10% do PIB vai para detentores de bônus? De jeito nenhum! Dessa forma, os parceiros sociais não vão aceitar a dor e o sacrifício. Os detentores de bônus têm de contribuir, numa reestruturação da dívida clara, transparente e, espera-se, ordeira. Mas terá de acontecer, de um jeito ou de outro. Há o medo de que seja desordenada. Mas o medo não permite que se evite o inevitável, e reestruturar é inevitável. Podem fazer bem feito ou malfeito, mas terão de fazê-lo.
Qual o impacto no euro da crise grega?
Essa crise arranhou a reputação do euro, porque mostrou que as pessoas nas instituições responsáveis por gerir a moeda não estão à altura do trabalho. Elas demoraram muito tempo para reconhecer o problema, e para fazer qualquer coisa em relação a ele, porque o governo alemão estava esperançoso de adiar a questão até depois das eleições regionais. E isso porque o resgate era impopular entre os eleitores alemães.
Mas isso fará o euro se desvalorizar e perder importância?
Hoje, todos esperam que o euro se enfraqueça mais em relação ao dólar, porque haverá prolongados problemas financeiros na Europa, e eles podem afetar negativamente o crescimento europeu. Mas eu gostaria de lembrar que, no ano passado, todos achavam que o dólar estava fadado ao declínio, que iria perder o status internacional, e este ano todo mundo acha que é o euro que está fadado ao declínio e vai perder o papel de moeda internacional. Mas essas são as duas principais moedas do mundo, vão permanecer nessa condição. As cotações entre elas vão flutuar, a parcela nas reservas internacionais, do euro e do dólar, vai ter oscilações, mas não acredito que todos os países na vizinhança da Europa que denominam seus bônus internacionais em euros, que fazem seu comércio internacional em euros, vão parar de fazê-lo como resultado dessa crise.
Qual o efeito da crise grega, que ameaça se alastrar a outros países da Europa, no mundo?
Como eu disse, até agora a crise foi muito mal administrada pelos europeus e pelo FMI. Se continuar assim, nós teremos um duplo mergulho (uma nova recessão) na Europa. E a China exporta mais à Europa do que aos Estados Unidos. O duplo mergulho vai nos afetar a todos. Ainda há tempo para que os responsáveis coordenem a sua atuação e comecem a gerir melhor essa crise. Se fizerem isso, podem evitar um duplo mergulho. Então não haverá grande impacto na economia mundial. Mas eles têm de mudar a forma pela qual vêm gerindo a crise.
E a América Latina e o Brasil podem ser afetados?
Se a Europa tiver um duplo mergulho, a China vai desacelerar, já que a Europa é seu principal mercado. E, se a China desacelerar, países que exportam commodities, como o Brasil, serão afetados também.
Como a crise europeia pode afetar os Estados Unidos?
De forma similar. Nós aprendemos que não existe essa coisa chamada de descolamento. Os Estados Unidos exportam pesadamente para a Europa. Um outro fator é que as pessoas se tornaram mais cientes dos problemas de déficit público. As pessoas ficaram cientes que Espanha, Portugal e outros países europeus têm esse problema, e se perguntam sobre quem mais tem. A resposta é: os Estados Unidos. Então, em algum momento, as pessoas poderiam começar a se preocupar mais com o déficit americano. Nós nos beneficiamos de taxas de juros muito baixas no momento, porque temos a confiança do investidor. Mas poderíamos chegar a uma situação na qual as pessoas se preocupem mais sobre nosso déficit também, o que faria os juros subirem.
Poderia desacelerar a economia americana?
É concebível, mas não considero provável. Mas isso aumenta a urgência de os Estados Unidos montarem um plano crível de consolidação fiscal de médio prazo. Não acho que deveríamos começar a reduzir o déficit orçamentário este ano, porque a economia apenas começa a se recuperar. Mas precisamos de um plano para o futuro. Se não preparamos um, os investidores começarão a se preocupar conosco. Mais ainda agora, depois do problema grego.