Título: Visita de Lula não atrasará sanções e é a última chance para o Irã, dizem EUA
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2010, Internacional, p. A12
Ceticismo. Demonstrando alguma irritação, diplomatas americanos acreditam que encontro com o presidente brasileiro no fim de semana serve à estratégia de Ahmadinejad para ganhar tempo e prosseguir com seu programa de enriquecimento de urânio
Os EUA intensificaram sua campanha a favor de sanções contra o Irã e se mostraram céticos em relação aos resultados da missão do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que chega amanhã ao país.
A embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice, disse que a mediação do Brasil não está desacelerando as discussões dos P5+1 (membros permanentes do Conselho de Segurança - China, Rússia, Grã-Bretanha, França e EUA - mais a Alemanha) sobre as sanções. Ela afirmou que o progresso na discussão das sanções "fortaleceria a posição negociadora" de Lula em Teerã e disse esperar que a mensagem do presidente brasileiro ao governo iraniano seja a de que "a pressão está aumentando".
Outra fonte ligada ao Departamento de Estado, falando sob a condição de anonimato, esclareceu que a visita de Lula representa "a última chance para que o Irã retorne negociações" para paralisar seu programa de enriquecimento.
Um eventual recuo de Teerã, porém, teria de ser acompanhado por ações práticas, têm ressaltado as autoridades americanas. Há sinais claros de que Washington está irritado com a interferência brasileira - a mediação do Brasil seria só mais um fator atrasando a resolução da ONU com sanções contra o país.
Fontes do governo americano ouvidas pelo Estado acreditam que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, pode até concordar com uma proposta mediada pelo Brasil e pela Turquia de ressuscitar a oferta da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) de troca de combustível nuclear. Mas Washington teme que isso se converta apenas numa estratégia de última hora de Ahmadinejad para evitar ou adiar sanções.
"Nós temos expectativas muito baixas em relação à viagem do presidente Lula", disse uma fonte do Departamento de Estado. "Não é a primeira vez que o Irã enrola e cria jogadas para ganhar tempo."
A secretária de Estado, Hillary Clinton, falou com o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, ontem. O recado foi duro: o Irã não tem intenções sérias de aceitar as exigências internacionais para provar que seu programa nuclear é pacífico. Segundo o Departamento de Estado, Hillary pretendia falar com o chanceler Celso Amorim e transmitir a mesma mensagem. Estava prevista a visita a Teerã do premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, ao mesmo tempo que Lula, mas ainda não foi confirmada.
Brasil e Turquia querem ressuscitar a proposta feita pela AIEA no ano passado, pela qual o Irã enviaria urânio para França e Rússia, que enriqueceriam o combustível e o devolveriam para ser usado em um reator de pesquisas médicas no Irã. Assim, a comunidade internacional garantiria um enriquecimento em níveis mais baixos do que os necessários para armas nucleares.
De acordo com o porta-voz do Departamento de Estado, P.J. Crowley, Hillary teria dito a Davutoglu que a recente ofensiva diplomática do Irã com países como Brasil, Turquia, Líbano e Uganda, "é uma tentativa de frear ação do Conselho de Segurança, sem adotar medidas práticas sobre seu programa nuclear". "O chanceler iraniano indicou que o país pretende continuar enriquecendo urânio a 20%, a despeito de qualquer acordo que seja fechado; isso é inaceitável."
Nos EUA, a pressão pelas sanções está crescendo muito, tanto do lado do lobby judaico quanto da parte de conservadores. Segundo Ray Walser, do Heritage Foundation, trata-se de "camuflagem diplomática" para o Irã ganhar tempo e evitar sanções.
"Lula está de olho no Prêmio Nobel da Paz, mas na realidade o que está fazendo é marginalizar a liderança global dos EUA e adiar medidas para enfrentar uma ameaça nuclear."
Segundo Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson Center, não está claro se Teerã realmente avançará na mediação. "O país já rejeitou acordos no passado", escreveu Sotero em artigo na Foreign Policy.
Nos bastidores Horas antes da chegada de Lula a Moscou, o presidente dos EUA, Barack Obama, e seu colega russo, Dmitri Medvedev, concordaram em trabalhar pela aprovação de novas sanções ao Irã na ONU.