Título: Mundo recebe com ceticismo acordo mediado por Brasil e Turquia com Irã
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2010, Internacional, p. A12
Lula e o premiê turco, Tayyip Erdogan, festejam pacto assinado com Teerã para que urânio iraniano seja trocado na Turquia e enriquecido fora do país, mas potências veem na ação uma armadilha dos aiatolás, que seguirão com seu programa nuclear
Apesar de o acordo ser ainda mais detalhado do que a proposta feita a Teerã em outubro pela Agência Internacional de Enercia Atômica (AIEA), o Departamento de Estado americano anunciou ontem que o pacto não mudava em nada a disposição de Washington de impor, por meio das Nações Unidas, uma nova série de sanções ao Irã (mais informações na página A13).
Brasil e Turquia, porém, prometeram intensificar a oposição às sanções contra o Irã. Com o acordo turco-brasileiro para troca de urânio iraniano por combustível nuclear, o avanço das medidas punitivas do Conselho de Segurança (CS) "perde todo seu fundamento", defendeu o chanceler Celso Amorim pouco antes de deixar Teerã. Seu colega turco, Ahmet Davutoglu, endossou a posição brasileira. "Não há mais razão para encaminhar as sanções", afirmou.
Os dois países ocupam vagas rotativas no Conselho de Segurança da ONU. Os EUA, a Grã-Bretanha e a União Europeia declararam que a pressão sobre o Irã não deve ser aliviada por causa do acordo. Rússia, França e Alemanha pediram para conhecer os detalhes do texto.
De mãos dadas, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, além do premiê da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, comemoraram a assinatura do pacto nuclear. Dividido em dez pontos fundamentais, o acordo difere do de outubro, basicamente, no que diz respeito ao país ? a Turquia ? no qual o Irã trocaria 1,2 tonelada de urânio enriquecido a 4% por 120 quilos do produto enriquecido a 20%, grau suficiente para uso em reatores de pesquisa. Pelo acordo atual, o Irã se compromete a esperar até um ano para receber o urânio.
Para Amorim, o diálogo só avançou desta vez, sob a mediação turco-brasileira, porque os dois países em desenvolvimento falam "a linguagem da cooperação", enquanto os que fracassaram usavam "a linguagem da pressão". A troca de urânio deve ter início assim que as "condições operacionais" permitirem. O regime iraniano já antecipou, no entanto, que suas centrífugas seguirão funcionando para enriquecer urânio a até 20%, como permite o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP).
Limitações. Embora no seu último dia de visita a Teerã, Lula tenha declarado que "a diplomacia venceu no Irã", o próprio Itamaraty reconheceu o escopo limitado do acordo. Ele se refere especificamente ao caso do reator de pesquisa de Teerã, mas não menciona questões centrais da crise atômica iraniana. Amorim definiu o entendimento como "uma porta de entrada" para o diálogo. Nos bastidores, diplomatas dizem que "agora começa a parte difícil".
"O Irã teme as pressões internacionais e quer salvaguardas substanciais para qualquer acordo", afirmou ao Estado Hossein Seifzadeh, professor da Universidade de Teerã. Ele afirma estar pessimista sobre a possibilidade de a questão nuclear ser resolvida por meio do diálogo.
Inspeções e garantias de que o programa nuclear é pacífico, por exemplo, não constaram nas discussões entre Lula, Ahmadinejad e Erdogan. Tampouco se falou sobre quanto urânio o Irã já tem ? uma vez que apenas de seu estoque será enviado à Turquia.