Título: Se quer pesquisar, tem de pedir verba
Autor: Leite, Fabiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2010, Vida, p. A22

Isaías Raw, ex-presidente da Fundação Butantã

O ex-presidente da Fundação Butantã Isaías Raw reagiu ontem às críticas de pesquisadores de que a priorização da fabricação de vacinas levou ao declínio do acervo e da pesquisa no instituto. Ele afirmou que cabe aos pesquisadores buscar apoio em agências de fomento à ciência.

"Se pesquisador quer fazer pesquisa, submete um pedido para o Finep, para a Fapesp (órgãos estatais de fomento à pesquisa)", disse Raw. "Se não conseguir, é porque não tem competência."

Até mesmo a família de Vital Brazil, fundador do Butantã, divulgou texto em que afirma que o médico não queria que a instituição fosse apenas uma fabricante de vacinas. Os parentes do fundador também criticaram diretamente a administração de Raw, reconhecido mundialmente pelas pesquisas para o desenvolvimento de imunizantes e biofármacos.

No ano passado, o pesquisador foi afastado da presidência da fundação em razão de desvios de R$ 35 milhões na instituição. Segundo o Ministério Público, Raw não se beneficiou do esquema, mas realizou uma "gestão temerária". Ele alega, porém, que foi enganado por subalternos. Raw conversou brevemente com a reportagem e afirmou que pretende responder em detalhes por escrito, em alguns dias. Reticente à entrevista no início, Raw concordou em tratar das críticas veiculadas nos últimos dias.

O que os pesquisadores estão dizendo é que o senhor, na sua administração, só pensava nas fábricas de vacinas.

O Butantã é um órgão da Secretaria (estadual) de Saúde. Se a população não é atendida com vacina e soro, não é para juntar cobra para brincar no laboratório. Tá bom?

Sim. Não havia de onde tirar mais recursos?

A regra é simples. Vale para nós, vale para o mundo inteiro, vale para a universidade. Se pesquisador quer fazer pesquisa, submete um pedido para o Finep, para a Fapesp (órgãos estatais de fomento à pesquisa), para quem for o caso. Se ele não concorda, ele pede para mudar quem deu o parecer, até aí ele tem direito. Não é função de nenhuma instituição financiar pesquisa interna. Isso não funciona em lugar nenhum do mundo. No Brasil, ele (pesquisador)já está privilegiado. Nos EUA, você tem de pagar o seu ordenado, o lugar que ocupa e uma porcentagem para manter o reitor da universidade. Aqui, ele quer o salário perpétuo, até morrer, o espaço, luz, água, sabonete. O resto, ele tem de pedir. Se não conseguir, é porque não tem competência.

O que o senhor acha de dizerem que Vital Brazil não achava importante ter fábrica de vacina?

Vital Brazil não sabia nada disso aí. Estamos falando de 1901. Alguém tem esse documento que Vital Brazil disse que não precisava fazer vacina? Que prove isso. Compete ao pesquisador que já ganha salário, espaço, luz, água, não de torneira, papel higiênico, o resto ele tem de pedir para uma organização que dê financiamento à pesquisa. Essa é a regra no mundo inteiro. Sair dessa regra cria o que sempre criou em todo o lugar do mundo, uma decadência total. Ganha o amigo do amigo do amigo.

E sobre a fábrica de vacinas?

A decisão do Ministério da Saúde em 1984 é que o Brasil tem de ter autossuficiência na produção de vacinas.