Título: Lições do vazamento no Golfo do México
Autor: Rogoff, Kenneth; Syndicate, Project
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2010, Internacional, p. A13

Crise nos EUA expõe necessidade de criar-se mecanismos eficientes para regulamentar tecnologias complexas

Com o poço da British Petroleum (BP) a jorrar milhões de galões de petróleo das profundezas do Golfo do México, o desafio imediato é achar um modo de conter uma catástrofe ambiental que se agiganta. Só podemos esperar que esse derramamento seja contido rapidamente e torcer para que os cenários mais tenebrosos não se materializem.

Esse desastre, contudo, coloca um desafio muito mais grave. Trata-se da forma como as sociedades modernas devem lidar com a regulamentação de tecnologias complexas. A velocidade cada vez maior da inovação parece estar ultrapassando a capacidade de agências reguladores governamentais de lidar com os riscos - e muito menos prevê-los.

Os paralelos entre esse vazamento de petróleo e a recente crise financeira são todos dolorosos: a promessa da inovação, uma enorme complexidade e a falta de transparência (segundo os cientistas, só conhecemos uma fração muito pequena das profundezas do oceano). Lobbies milionários e poderosos pressionam fortemente as mais robustas estruturas de governo. Foi um grande embaraço para o presidente americano, Barack Obama, o fato de ter proposto - com certeza, sob pressão da oposição republicana - expandir ainda mais as perfurações de petróleo em alto mar, pouco antes da catástrofe da BP.

A história da tecnologia petrolífera, como a dos instrumentos financeiros exóticos, sempre foi muito convincente e sedutora. Executivos do setor alardeavam que conseguiriam perfurar a alguns quilômetros para baixo, depois um quilômetro através, e alcançar sua meta em poucos metros. Repentinamente, em vez de falar-se em "pico do petróleo", com os recursos se esgotando, a tecnologia passou a oferecer a promessa de ampliar os suprimentos para mais uma geração.

As autoridades ocidentais também foram influenciadas pelos temores quanto à estabilidade dos estoques no Oriente Médio. Alguns países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, descobriram um enorme potencial de petróleo em suas costas. Agora todas as apostas estão suspensas. Nos EUA, as perfurações de poços em alto mar, ao que parece, dará lugar à energia nuclear, com novos projetos sendo engavetados por décadas. E, como de hábito, uma crise num país pode se tornar global, com muitos outros reduzindo seus projetos de perfuração nas suas costas ou fora de seus limites.

O Brasil arriscará realmente sua espetacular área costeira para buscar petróleo, agora que todos foram alertados do que pode ocorrer? E a Nigéria, onde os riscos são amplificados por um conflito? Segundo especialistas, as perfurações em alto mar nunca tiveram potencial para um dia representar mais do que uma pequena fatia da oferta global. Mas, a partir de agora, haverá preocupações maiores para perfurar áreas profundas em qualquer ambiente sensível.

Outras crises. O problema não abrange só o petróleo. A grande novidade hoje em termos de energia é a revolução tecnológica para explorar o gás xistoso. Com enormes reservas próximas de áreas com grande concentração populacional, os governos precisarão refrear o entusiasmo e refletir sobre como equilibrar riscos e riquezas.

O problema básico da complexidade, da tecnologia e da regulamentação atinge muitas outras áreas da vida moderna. A nanotecnologia e a inovação no desenvolvimento de organismos artificiais oferecem um imenso benefício potencial para a humanidade, com a promessa de criação de novos materiais, medicamentos e técnicas de tratamento. Mas, no caso dessas tecnologias é extremamente difícil calcular o risco de um desastre muito grande.

As crises financeiras são quase encorajadoras, em comparação. As bolhas especulativas e as crises bancárias há séculos têm sido uma característica comum da paisagem econômica. Por mais terríveis que sejam, as sociedades conseguiram sobreviver a elas. Na verdade, as pessoas que achavam que "desta vez é diferente", antes da recente Grande Recessão, estavam erradas. Mas, embora não estejamos conseguindo lidar melhor com as crises financeiras, as coisas também não pioraram, necessariamente.

Talvez os líderes do G-20 não realizaram um trabalho brilhante tapando o buraco no sistema financeiro como afirmam. São prova suficiente disso os sérios problemas de dívida soberana na Europa, além dos que estão fermentando nos EUA e em outros lugares. Mas, comparados com os esforços da BP para tapar o buraco, os líderes do G-20 parecem onipotentes.

Se um dia um sinal de alarme precisasse ser dado, despertando a sociedade ocidental para repensar sua dependência na inovação tecnológica, com vistas a um consumo de combustível cada vez maior, seguramente esse sinal é a tragédia no Golfo do México. Mesmo a China, com sua estratégia do "boom agora, meio ambiente depois" deveria observar essa crise.

O setor financeiro já vem alertando que uma nova regulamentação poderá exceder as metas - ou seja, ter o efeito inesperado de impedir vigorosamente o crescimento. Agora, enfrentamos as mesmas preocupações no campo da política energética.