Título: Economia não aceita desaforo
Autor: Caminoto, João; Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2010, Economia, p. B8

Presidente do BC diz que eventual mudança na política econômica é "possível", mas resultados seriam ruins e punidos "rapidamente"

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, evita criar polêmica durante o processo eleitoral. Mas deixa clara sua opinião sobre eventuais mudanças na condução da política econômica. "É possível que se tente? É possível. Mas os resultados serão ruins e punidos rapidamente", disse, em entrevista ao site Economia & Negócios, do Grupo Estado. Há três semanas, o candidato José Serra (PSDB) afirmou que o BC "não é a Santa Sé" e não está "acima do bem e do mal". "Agora quem acha que o Banco Central erra é contra dar autonomia de trabalho dele?", disse, na ocasião. Mais tarde, no mesmo dia em que deu as declarações, Serra esclareceu que não pretende, se eleito, mudar a relação entre o governo e o BC. A seguir, trechos da conversa com Meirelles.

Eleições e mudança

"No passado, tínhamos aquela dúvida entre estabilidade e crescimento. Não existe mais isso porque o Brasil estabilizou a economia e a taxa de crescimento aumentou muito nos últimos anos. Isso faz com que os ganhos da responsabilidade macroeconômica sejam ganhos da população brasileira. Então, não há muito espaço de mudança. É possível que se tente? É possível. Mas os resultados serão ruins e punidos rapidamente. O Brasil hoje já tem menos margem para fazer experiências desastradas."

Risco político e o mercado

"(Espero que) os candidatos tenham, de fato, um bom entendimento dessa realidade que está aí. Em dito isso, o BC está preparado. Continuamos comprando reservas. Estamos com US$ 249 bilhões. Estamos fazendo uma política monetária responsável para assegurar a continuidade da inflação na meta. Estamos fazendo um aperto monetário em ano eleitoral. Mas é importante que as mensagens sejam consistentes. Como já dizia o meu avô, dinheiro não aceita desaforo. Economia também não. Então, é importante que, não é porque estamos bem, que possamos falar qualquer extravagância."

Futuro ministro?

"No momento, estou totalmente focado no BC. Seria inadequado a candidata (Dilma Rousseff) estar discutindo a composição de seu ministério. Ela não está fazendo isso. Eu, certamente, não estou discutindo composição de ministério. Terminado meu trabalho, verificarei as alternativas e verei o que é mais útil para mim e para o País."

Limite para o PIB

"Há várias faixas que temos estudado e várias maneiras de calcular. Normalmente, o BC não se pronuncia sobre isso. Em primeiro lugar, porque está emitindo opinião em cima de grande margem de incerteza. Em segundo, estaria dando uma sinalização de movimentos de política monetária. Em terceiro, porque esse porcentual não entra como parte de nossos modelos, ao contrário do que muita gente pensa. O BC tem como variável-chave as projeções para inflação."

Olho no crédito

"O BC está sempre atento à evolução do crédito. O que é muito importante é o julgamento do crédito pelas instituições financeiras. Nesse aspecto, o BC do Brasil tem sido muito rigoroso. Eventualmente, podem sair normas mandando mudar uma forma de alocação de capital, etc."

Peso sobre o BC

"A questão de peso sobre o BC, particularmente sobre o brasileiro, é séria. Em maio, fiz viagens internacionais, nas quais o reconhecimento ao BC do Brasil é impressionante, o que surpreende até a mim. Mas, quando chegamos ao Brasil, entramos nessa controvérsia. Por quê? Porque o Brasil tem histórico de hiperinflação, de instabilidade cambial, instabilidade fiscal. Por isso, começamos com uma taxa básica muito elevada. De um lado, a estabilização da economia está permitindo que essa taxa caia e, consequentemente, o crédito se expanda. De outro, há quem diga que o juro está alto demais ainda. É um conjunto que não fecha. O que nós podemos fazer? Manter a serenidade, fazer nossa avaliação macroeconométrica, saber que ao final são os resultados que contam e fazer nosso trabalho a sério e o melhor possível."

Política fiscal e os juros

"O importante a saber é o seguinte: o BC tem seu instrumento para colocar a inflação na meta, independentemente da questão fiscal. Uma das questões que o BC olha é a relação entre dívida líquida e o PIB e como está a evolução disso. Se começa a se colocar em dúvida a sustentabilidade, como ocorre hoje em alguns países europeus e no próprio Brasil no passado, há um problema de outra ordem, que prejudica a política monetária. Nesse aspecto, a trajetória da relação dívida/PIB no Brasil é positiva, é a melhor do G-20. Portanto, a situação do Brasil é muito favorável."

Crise europeia e o Brasil

"Os impactos não estão claros. O que temos na Europa, hoje, é o problema de um determinado país, com uma dívida sendo refinanciada por outros governos e pelo FMI, e uma preocupação muito grande com outros países. Além disso, um grande pacote de ajuda de governos e do FMI, que, em tese, devidamente bem implementado, vai ter condições de enfrentar problemas em países maiores do que a Grécia. Há, ainda, uma preocupação com a exposição dos grandes bancos europeus às dívidas desses países. Há vários "ses". Outros países chegarão a ser afetados? Quais? De que tamanho? Qual a eficácia dos 750 bilhões? Se houver problemas, qual o impacto nas instituições financeiras europeias? Por fim, se houver problemas, qual o impacto no Brasil? É uma situação grave? É. No entanto, é prematuro dizer a dimensão e a intensidade dos problemas e que tipo de problema pode ocorrer."

Brasil porto seguro

"A questão se (o Brasil) é ou não um porto seguro eu não gosto porque é estática, como se fosse algo da natureza. É como se se dissesse: "Agora somos porto seguro e não precisamos fazer mais nada." Não. Há uma série de condicionantes. Economia é questão dinâmica, como temos visto. O Brasil está em uma posição muito boa. Mas tem de continuar trabalhando sério. Mantendo sua política macroeconômica responsável e adequada, isto é, um banco central tomando as medidas necessárias para termos uma inflação na meta, uma política fiscal nos próximos anos que assegure a relação cadente entre dívida e PIB, que faça os investimentos necessários em infraestrutura, educação etc, certamente o Brasil (continuará como) uma das destinações prioritárias de investimento."