Título: Agradecimentos ao Brasil
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2010, Economia, p. B5

Em editorial, jornal aborda disputa entre EUA e Brasil em torno dos subsídios ao algodão e mostra para contribuintes as barreiras ao livre comércio e a necessidade de uma reforma

Os contribuintes americanos devem ao Brasil e a seus plantadores de algodão um muito obrigado. Isso pode soar estranho, dado que a administração Obama concordou recentemente em pagar aos brasileiros US$ 147,3 milhões por ano para acertar sua disputa comercial internacional contra os subsídios americanos ao algodão. Aliás, o efeito líquido do pagamento é permitir que Washington continue apoiando os plantadores de algodão americanos com cerca de US$ 3 bilhões por ano. Então, qual o motivo da gratidão?

O caso do Brasil expõe a verdade sobre o programa americano do algodão: ele não só é uma benesse cara para interesses especiais, mas também um obstáculo ao comércio livre e justo que complica desnecessariamente as relações dos EUA com o resto do mundo. O momento de uma reforma - ou, melhor, anulação - já está mais que atrasado.

O governo federal gastou mais de US$ 500 bilhões amparando plantadores de algodão desde 1991 com subsídios que chegaram a mais de US$ 3 bilhões anuais durante a última década. A maior parte desses subsídios ajuda a grandes empresas do agronegócio, politicamente conectadas no Sun Belt (Cinturão do Sol, região que abarca os Estados do sul e sudoeste dos EUA) - embora a operação do Departamento Correcional do Estado de Arkansas, tocada por presos, tenha recebido algum dinheiro também.

Graças em parte aos subsídios, os produtores americanos conseguem sobrepujar a competição daqueles competidores que têm custos menores no mercado mundial; a agricultura americana responde por cerca de 40% das exportações globais.

Em 2002, o Brasil reclamou na Organização Mundial do Comércio (OMC) a esse respeito, argumentando que os programas americanos violavam acordos internacionais de livre comércio capitaneados pelos próprios Estados Unidos. Demorou algum tempo, mas a OMC concordou, autorizando o Brasil a retaliar, impondo tarifas a outros produtos americanos.

A ameaça do Brasil de usar essa autoridade contra produtos americanos, de trigo a software, obrigou a administração Obama a comprar uma trégua no mês passado.

A dependência do setor algodoeiro americano de subsídios que violam acordos internacionais de comércio o transformou de mero desperdício de dinheiro do contribuinte a uma ameaça a outros exportadores americanos e aos empregos que eles sustentam. Como quatro membros da Câmara, os democratas Ron Kind, de Wisconsin, e Barney Frank, de Massachusetts, e os republicanos Jeff Flake, de Arizona, e Paul Ryan, de Wisconsin, expuseram o problema em recente carta ao presidente, o programa do algodão está "rapidamente se tornando um risco para o crescimento futuro do comércio. Em vez de efetivamente reformar nossos programas, estamos optando por pagar US$ 147,3 milhões anualmente ao agronegócio brasileiro para podermos continuar pagando em torno de US$ 3 bilhões por ano a grandes agronegócios americanos".

Evidentemente, o governo federal terá de tomar emprestado boa parte dos US$ 147,3 milhões e dos US$ 3 bilhões. Se esse episódio lamentável não envergonhar Washington levando-o a pôr fim a esse fiasco, nada o fará. / TRADUÇÃO CELSO M. PACIORNIK