Título: Em meio à revolta, turcos velam corpos repatriados de ativistas
Autor: Watkins, Nathalia
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2010, Internacional, p. A10

Caixões são recebidos com manifestação em Istambul; "Israel fez um dos maiores erros de sua história", diz presidente

Sob gritos de "Alá é grande", cerca de 10 mil turcos velaram ontem em Istambul corpos de manifestantes mortos por comandos israelenses na segunda-feira. O presidente da Turquia, Abdullah Gul, em meio ao clima de comoção nacional, prometeu que os laços com Israel jamais serão os mesmos.

Embrulhados em bandeiras turcas e palestinas, os caixões de oito dos nove ativistas mortos foram recebidos com uma grande manifestação na Praça Taksim, no centro de Istambul, antes do velório. "Israelenses assassinos: tirem suas mãos de nossos navios", dizia um cartaz. "Intifada está em todo lugar, na terra e no mar", afirmava outro.

Entre os mortos que chegaram na quarta-feira à Turquia está Furkan Dogan, de 19 anos, que tem cidadania americana e turca. Seu corpo, porém, será velado separadamente hoje em Kayseri, a cidade de sua família, informou a agência turca de notícias Anatolia.

"Sinto que meu filho foi abençoado com o paraíso", afirmou Ahmet Dogan, o pai do americano. "Espero ser um pai que mereça um filho desses."

As vítimas da ação israelense em águas internacionais tinham idade entre 19 e 60 anos. Todas estavam a bordo do sexto e último barco tomado pelos comandos, o Mavi Marmara.

Dos 700 ativistas detidos na segunda-feira por Israel, 466 desembarcaram na quarta-feira em Istambul, incluindo 49 estrangeiros e a brasileira Iara Lee. O embaixador turco em Tel-Aviv, Oguz Celikkol, também viajou com o grupo. Os demais manifestantes seguiram inicialmente para Grécia e Jordânia.

Autoridades turcas adiantaram os resultados de uma autópsia feita anteontem nos corpos das nove vítimas. Todos teriam morrido por ferimentos de disparos de arma de fogo efetuados a curta distância. Israel afirma que seus soldados só utilizaram as pistolas que carregavam ao serem atacados pelos manifestantes a bordo do Mavi Marmara.

"Nossos amigos foram massacrados", protestou ontem no funeral coletivo Bulent Yildirim, líder da organização islâmica de caridade IHH, que organizou o movimento Free Gaza. Israel acusa o grupo de "patrocinar o terrorismo" e ter contato com o Hamas e a Al-Qaeda.

Abalo. Autoridades de Ancara voltaram ontem a dizer que a relação entre Turquia e Israel foi definitivamente abalada pela tragédia de segunda. "Israel fez um dos maiores erros de sua história. Eles verão, com o tempo, o quão grande foi seu equívoco", disse o presidente Gul.

A Turquia era considerada o principal aliado islâmico de Israel. Mas, desde a eleição de um governo ligado a setores religiosos e liderado pelo premiê Recep Tayyip Erdogan, os laços privilegiados foram paulatinamente abalados. Erdogan revoltou-se com a ofensiva de Israel em Gaza e, por causa da ação, bateu boca com o presidente israelense, Shimon Peres, no fórum econômico de Davos. A diplomacia turca também vem pressionando Israel a revelar seu arsenal nuclear. / REUTERS E AP