Título: Juro básico retoma 2 dígitos após 1 ano
Autor: Nakagawa, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2010, Economia, p. B3

Copom decide, por unanimidade, elevar a taxa Selic em 0,75 ponto para 10,25% ao ano; analistas apostam em novas altas até setembro

Brasília

De olho no forte ritmo de crescimento da economia e na possibilidade de a inflação sair do controle nos próximos meses, o Banco Central deu continuidade ao processo de aumento do juro básico da economia, a Selic. Exatamente como esperado, a taxa foi elevada em 0,75 ponto porcentual, para 10,25% ao ano.

Com o aumento, o País volta a conviver com juros de dois dígitos após a Selic cair, pela primeira vez na história, para um dígito há exatamente um ano, em junho de 2009. A alta do juro tem como objetivo tornar o crédito mais caro e, assim, reduzir a velocidade de expansão da atividade econômica.

O comunicado divulgado ontem repetiu as explicações dadas em abril, quando começou o processo de aumento do juro ao alertar para ação que deve "assegurar a convergência da inflação à trajetória de metas".

Entre os analistas, prevalece a aposta de que o juro deve subir 0,75 ponto duas outras vezes, em julho e setembro. Assim, a taxa termina o ano em 11,75%, já que não haveria novas altas em outubro e dezembro.

Feito histórico comemorado pela equipe econômica, a Selic, por pouco, não chegou a completar hoje seu primeiro aniversário marcando um dígito. Em 10 de junho de 2009, o Copom anunciou a queda da taxa em 1 ponto, para o patamar inédito de 9,25%.

Na época, o Brasil ainda reagia contra os efeitos da crise e o governo tentava amenizar o impacto da recessão que atingiu praticamente todos os países, especialmente os mais ricos. Para isso, o BC reduzia o juro para incentivar o consumo.

Sonho de Lula. No início do atual governo ? em 2003, quando a Selic era de 26% ? o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a dizer que a taxa de um dígito era um "sonho da equipe econômica".

O patamar tão sonhado, porém, ficou para trás. Exatamente um dia antes do primeiro aniversário da Selic de um dígito, a taxa subiu e retornou à casa dos 10%. Curiosamente, o juro sobe porque as ações de combate à crise foram bem-sucedidas. Com a forte reação da economia brasileira, a demanda avançou em passos bem mais rápidos do que a capacidade de aumento da produção.

O descompasso começou a pressionar preços e a inflação ? que ficou em 4,31% no ano passado ? deve fechar 2010 próxima de 6%, perigosamente perto do teto da meta de inflação, que é de 6,5%.

"A economia continua crescendo e há uma parte relevante da inflação que é relacionada com a demanda aquecida, como o aumento do preço de serviços", diz o professor de economia da USP Fabio Kanczuk. No início de maio, o BC já havia alertado que o Brasil estava diante de um "virtual esgotamento" do aumento da capacidade de produção das fábricas.

Hoje, um mês depois, indicadores mostram que o uso da capacidade produtiva continua em trajetória crescente.

Kanczuk argumenta que o BC, como guardião do poder de compra da moeda, precisa desacelerar a economia para evitar o aumento descontrolado dos preços. "Agora, é preciso reverter o quadro porque a economia reagiu rápido. Por isso, o juro continuará subindo até um patamar considerado neutro, que não influencia o ritmo da economia para melhor nem para pior."

Para o professor da USP, o juro de um dígito não deve voltar tão cedo. Segundo ele, é muito difícil que isso aconteça em 2011 pelo risco de repique da inflação. "Mas o Brasil terá de ter Selic mais baixa no longo prazo porque o risco país é muito mais baixo que no passado."

Reações. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou preocupante o retorno da taxa Selic ao patamar de dois dígitos e vê equívoco na avaliação do BC. O presidente em exercício da Força Sindical, Miguel Torres, também classificou a decisão do Copom de equivocada.

"É um balde de água fria na aquecida economia brasileira, que demonstrou recentemente, através do PIB, uma imensa capacidade para o crescimento com geração de emprego e renda. Os tecnocratas do BC torcem contra o crescimento do Brasil."