Título: Já se antecipava uma crise; foram mortes programadas
Autor: Watkins, Nathalia
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2010, Internacional, p. A8

Foram "mortes programadas". Todos os jornalistas já vinham anunciando que um incidente fatal poderia ocorrer perto da Faixa de Gaza, para onde se dirigia uma "frota humanitária", decidida a furar o bloqueio que Israel mantém no território palestino. O inevitável aconteceu. Ao se aproximar da costa, mas ainda em águas internacionais, a frota foi atacada por Israel. E foi uma tragédia. Vários passageiros morreram.

Israel justifica-se: foram os passageiros dos navios que atacaram os militares israelenses com arma branca. O que houve simplesmente foi uma resposta.

Mas as reações são vivas. EUA e países europeus ficaram indignados. O ex-premiê francês Alain Juppé, de direita, acusou Israel de assumir uma "posição extremista". E deplorou a condição desumana em que os israelenses mantêm os 1,5 milhão de moradores de Gaza.

Cólera também nos países muçulmanos. O iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que faria melhor se ficasse em silêncio, expressou sua fúria e mais uma vez pediu o fim de Israel. O governo turco, que estava bastante engajado nessa frota, disse temer consequências irremediáveis. E isso é importante, pois a Turquia, na verdade, é o único país a manter boas relações com Israel.

E mortes vão provocar um incêndio na região? É preciso examinar as reações em alguns pontos nevrálgicos: na comunidade árabe que vive em Israel e se sensibiliza com o sofrimento de Gaza; na própria Faixa de Gaza, que está nas mãos do radical Hamas; e, enfim, no Hezbollah, movimento xiita poderoso no Líbano, apoiado por Irã e Hamas.

É necessário observar também as reações em outro enclave palestino, a Cisjordânia, sede da Autoridade Palestina (AP). Seu presidente, Mahmoud Abbas, denunciou o "massacre" de Gaza, decretando três dias de luto e exigindo uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU. Mas a AP irá além dessa agitação midiática? Há dúvidas. Os palestinos estão divididos entre duas tendência: a que defende a diplomacia e a conciliação, como preconiza a AP, e a que é a favor do confronto violento com Israel, posição do Hamas.

Assim, dificilmente a liderança na Cisjordânia fará muito mais do que protestos formais. Não se acredita que ela assumirá uma questão que só beneficiará seus rivais do Hamas. Por outro lado, as grandes potências acataram tacitamente o bloqueio terrível que Israel impôs a Gaza. E agora, podem se voltar contra Israel? Provavelmente foi pesando esses elementos que o governo israelense escolheu a via guerreira.

Mas, mesmo admitindo que o ataque contra a flotilha não provoque um conflito mais violento, a posição moral de Israel, já desastrosa, deverá ser ainda mais criticada. Essa perspectiva só afligirá os verdadeiros amigos de Israel, como os muitos judeus que vivem no estrangeiro. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É CORRESPONDENTE EM PARIS