Título: Governo israelense não consegue escapar de armadilha
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2010, Internacional, p. A11

Ao ignorar o princípio da proporcionalidade da força militar, Israel atrai para si a irritação e a condenação da comunidade internacional

Os organizadores da manifestação pró-palestinos descreveram a flotilha como um "comboio de ajuda humanitária". Mas, quando o Exército israelense avançou sobre o maior dos navios do grupo, os ativistas encontrados estavam longe de ser exclusivamente dóceis pombas da paz. Alguns dos "ativistas pacifistas" receberam os israelenses com pés de cabra e ataques de estilingue. Alguns dos autodeclarados "defensores dos direitos humanos" supostamente chegaram a arrancar as armas dos soldados e começaram a disparar.

Isso não lembra uma manifestação pacífica. Mas a reação de Israel, país que afirma respeitar o estado de direito, foi muito aquém do que poderia ser considerado apropriado.

Independentemente do quanto os organizadores da flotilha estivessem dispostos a se envolver com a violência, uma coisa é certa: Israel jogou pela janela o importante princípio da proporcionalidade da força militar.

No domingo, o filósofo francês Bernard Henri Levy, ao comentar sobre o Exército israelense, disse nunca ter visto "um Exército tão democrático, que faz a si mesmo tantas perguntas morais". Mas é difícil acreditar que ele ousaria repetir esta frase após o incidente de ontem. E restam algumas perguntas sem resposta: Por que os soldados israelenses atiraram de helicópteros que sobrevoavam o comboio? Por que a Marinha decidiu atacar o navio quando poderia simplesmente bloquear o caminho da flotilha? Por que Israel atacou em águas internacionais, muito antes de o comboio chegar às águas territoriais israelenses? Publicidade gratuita para os oponentes de Israel.

Funcionários do governo alegam que Israel apenas exerceu o direito de autodefesa. Dizem que os ativistas usaram de "violência extrema" e são os únicos responsáveis pelo alto número de vítimas. Mas a responsabilidade principal recai sobre Israel. O Exército agiu por impulso. Sua reação foi desproporcional e evidenciou total falta de compaixão pelas vítimas.

"Pedimos ao mundo que não caia na armadilha desta provocação", disse o vice-chanceler israelense, Danny Ayalon. Mas o país demonstrou o grau de desproporção com o qual reage às provocações - pouco se importando com as consequências. Elas vão além da condenação global.

Os árabes-israelenses foram às ruas. Os membros do Hamas, a quem Israel acaba de conceder um momento de publicidade gratuita, expuseram o bloqueio de Gaza diante das câmeras de emissoras de todo o mundo. E o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, foi obrigado a cancelar uma visita aos EUA, prejudicando mais um relacionamento já tenso.

O ex-chanceler israelense Abba Eban disse certa vez que os palestinos nunca perdem a chance de perder uma chance (para o estabelecimento da paz). No caso de Israel, vale exatamente o oposto: em momentos de crise, Israel parece procurar oportunidades para voltar o mundo contra si. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É CORRESPONDENTE EM JERUSALÉM