Título: G-20 adia decisões urgentes
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2010, Economia, p. B10
Os ministros das Finanças dos países do G-20 reuniram-se na Coreia do Sul para analisar a economia mundial, que hoje enfrenta uma nova crise com proporções indefinidas. E, delicadamente, concordaram em não discordar.
Ninguém discorda de que é preciso conter o contágio europeu nas finanças internacionais, mas ninguém concorda sobre como o fazer.
Outro ponto de discórdia cordial é sobre a criação de um fundo de estabilização financeira para amortizar choques, como esse do euro, mas ninguém se entende sobre o seu valor e de onde virão os recursos.
Considerando o comprometimento atual dos bancos, o UBS estima que o fundo deveria ser de no mínimo US$ 365 bilhões, com recursos dos governos e dos bancos. Mas sua criação nesses moldes é pouco viável. Aumentaria o endividamento dos países, agravando sua própria crise, a não ser que seja feito por meio de severos cortes orçamentários.
Por sua vez, os bancos argumentam que o aumento na participação do fundo provocaria uma forte redução dos recursos destinados aos empréstimos às empresas e aos consumidores. E é a retomada desses empréstimos, desaparecidos na crise financeira, que está reanimando a economia. Tudo aponta para o risco de uma nova recessão que se pretende evitar. Aí está a zona do euro crescendo 0,2% no primeiro trimestre do ano sobre apenas 0,1% de alta nos três meses anteriores.
Outra discordância. E esta também foi cordial. Deve-se ou não retirar os estímulos fiscais, que aumentaram a dívida dos países europeus, além de terem gerado custos crescentes para financiá-la? Com a explosão da crise grega revelando a fragilidade do euro, se confirma cada vez mais que está se criando uma situação delicada e difícil de sustentar.
Alguns, como a Alemanha, já haviam decidido retirar os incentivos em favor do equilíbrio fiscal. Os Estados Unidos, que se mantêm um pouco à distância, pressionam para adiar essa decisão que afetaria outros países europeus, mais frágeis. Exportariam menos e produziriam menos. Uma solução que não resolveria nada a prazo médio. Mas o ministro das Finanças da Alemanha reafirmou que a política de retirada de incentivos não será alterada.
A simpática ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, disse ao término do encontro na Coreia apenas que "a prioridade número 1 é reduzir os déficits fiscais" no continente, mas também nesse ponto não se chegou a um consenso.
Como seria desmoralizante sair de mãos vazias, os ministros concordaram em encomendar ao Fundo Monetário Internacional (FMI) um estudo sobre a reforma do sistema financeiro internacional, já avançada nos Estados Unidos, mas não na Europa.
O documento deve ficar pronto até outubro. Por que esse mês se os estudos já vêm sendo realizados há um ano? É para que o resultado seja divulgado na próxima reunião do G-20.
O Brasil nisso. Para o Brasil, essa reunião do G-20 não teve grande importância. Estamos com a China, fora do curto-circuito da nova crise. Não temos problemas no sistema bancário e financeiro, que estão saudáveis, há muito tempo bem regulamentados e com fiscalização concentrada no Banco Central (BC).
Também não nos assusta a dívida, quase a metade da média da americana e dos países europeus. Muito menos sofremos com especulação no setor imobiliário. Financiar a compra de um imóvel aqui exige rígida comprovação de rendimento, o que nos Estados Unidos era forjado, criando a bolha festiva que um dia estourou respingando pelo mundo.
Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do BC, Henrique Meirelles, o encontro só foi importante para reafirmar a política que está sendo seguida depois da recessão. Já estamos fazendo as duas coisas com as quais vocês ainda não concordam, devem ter delicadamente insinuado na reunião. Os incentivos fiscais estão sendo atenuados, mas continuarão ainda por algum tempo apesar do crescimento elevado; o ajuste fiscal está sendo fortalecido pelo aumento decorrente da arrecadação e a política monetária, juros, liquidez, são mais ativos para evitar pressões inflacionárias.
E o que preocupa lá fora? É que eles ainda estão atordoados e não sabem o que fazer, o que se confirma mais um vez na conclusão desta reunião. Não sabem como voltar a crescer sem se endividar mais. Na sexta-feira, o Eurostat, órgão oficial de estatística da União Europeia, confirmou que a zona do euro só cresceu 0,2% no primeiro trimestre de 2010 sobre 0,1% no último do ano passado. Nada. Zero de zero. Mas o comércio mundial voltou a crescer, 25% no primeiro trimestre! Sim, mas por causa, principalmente, da Ásia (12%) e nós continuamos sendo um exportador marginal. A OMC não está otimista e prevê um crescimento de apenas 9,5% este ano, que não compensa a perda de 12% no ano passado.
Que ninguém se iluda. Diante das hesitações como essa que vimos mais uma vez na reunião do G-20, ainda não será o comércio que vai reanimar a economia mundial sujeita a furacões como esse que açoita o continente europeu.
Falta decisão política e economistas independentes, como Paul Krugman, que denunciem com mais vigor a insensatez de continuar adiando decisões urgentes. Mesmo vindo agora, já estão atrasadas.