Título: Alerta aos candidatos
Autor: Velloso, Raul
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/06/2010, Economia, p. B2

Compartilho os resultados de pesquisas de opinião que apontam para o esgotamento do "modelo", oriundo da Constituição de 1988, de aumentar os gastos públicos correntes à máxima velocidade e financiá-los com um sistema de tributos cada vez mais sufocante, mas sem garantir a realização de objetivos fundamentais da ação do Estado. Ou seja, a sociedade brasileira, incluindo os que ganham com o atual "modelo", não aguenta mais pagar tantos tributos sem enxergar todos os benefícios que esses pagamentos poderiam lhe proporcionar.

Numa dessas pesquisas, a hipótese básica é que o Brasil gasta muito e mal e, portanto, tributa muito e mal. Confrontada com os vários diagnósticos setoriais apresentados, a grande maioria dos entrevistados respondeu em favor de priorizar o ajuste dos gastos, redirecionar recursos para investimentos (onde a carência é óbvia) e aumentar a eficiência governamental - mesmo à custa, com uma única exceção, da redução de programas supostamente "imexíveis".

O ponto é que, da mesma forma que a obtenção de inflação baixa entrou na rotina, a concentração da ação federal em programas de transferência de dinheiro a um grupo grande de pessoas com base em impostos cada vez maiores não garante satisfação total. Primeiro, porque, com exceção dos aposentados e pensionistas da União (que representam apenas 2,5% do total), o grosso desse público (totalizando algo entre 40 milhões e 45 milhões, e recebendo transferências ao redor de R$ 147 bilhões por ano) melhorou, sim, mas ganha pouco.

Por outro lado, todo mundo sente efetivamente no bolso (ou seja, pelas coisas de que tem de abrir mão) o peso da extração de impostos. Além disso: 1) sente que a alta tributação sobre a folha de salários impede a contratação de muitos empregos de qualidade superior; 2) deixa de receber atendimento satisfatório de demandas importantes como no caso dos serviços de educação e saúde - em que se gasta muito, mas o Estado desempenha mal seu papel - e infraestrutura de transportes - em que se gasta pouco em termos internacionais e em relação aos anos 60 e 70 no País, e a situação é de terra arrasada.

Em outro conjunto de pesquisas que foi debatido na semana passada no importante 1.º Fórum de Liderança Pública (www.clp.org.br), Alberto Almeida demonstrou claramente como a população não aguenta mais pagar tanto imposto. É sintomático que o governo tenha sofrido fragorosa derrota na última tentativa de prorrogar a CPMF, em que pese toda a popularidade que detém, e que não tenha passado no Congresso o aumento da contribuição sobre o lucro dos prestadores de serviços. A população se choca quando o governo, ao mesmo tempo que perde a CPMF e outros aumentos de impostos, e se dispõe a promover desonerações tributárias como a recente do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), vive anunciando que a arrecadação "bombou", parecendo que os impostos que arrecada não são tão necessários assim.

Como conciliar essa forte aversão aos impostos e a alta popularidade do governo atual (que, inclusive, na contramão do que foi dito acima, acaba de se manifestar em favor de maior arrecadação tributária)? Como explicar a atual preferência meio a meio, nas pesquisas eleitorais, da suposta sucessora de Lula e do suposto sucessor de FHC, líderes nas pesquisas, ainda que cada um possa ser completamente diferente do supostamente sucedido?

A alta popularidade de Lula deve ter que ver com o conjunto da obra (sua - pois tem óbvios méritos, especialmente sob as mãos de Antonio Palocci -, mas muito devido à herança do governo anterior e à bonança internacional 2002-2008). E muito disso deve estar sendo transferido à sua candidata. Certamente Serra se beneficia daquilo que a população enxerga como a grande obra de FHC - o fim da hiperinflação - e mais ainda da sua notável gestão à frente da Prefeitura e do Estado de São Paulo.

Olhando para a frente, contudo, a população parece querer mais do que apenas manter conquistas importantes, algo que os dois candidatos claramente representam. Por isso o jogo está momentaneamente empatado. O povo quer mesmo é pagar menos imposto, ter mais dinheiro no bolso para fazer o que lhe dá satisfação e não precisar pagar tanto pela educação, saúde, segurança, infraestrutura, etc. de qualidade que os governos lhe vêm negando sistematicamente, tendo de tirar mais dinheiro do bolso apertado para cobrir as óbvias ineficiências do Estado.

Que os candidatos acordem para esses pontos, façam suas próprias pesquisas de opinião e pensem também um pouco nas gerações futuras do País. Essa ênfase excessiva em consumo presente que vem sendo estimulada pelo poder público, em detrimento de poupança (ou seja, do investimento), é algo que tem óbvios limites e que vai relegar o Brasil para a posição medíocre em que estamos há muito no cenário internacional. Não nos deixemos enganar pela visão equivocada de que o País está muito bem, que é só pisar o pé no acelerador, manter as políticas atuais e em breve seremos uma potência mundial. Por muitos indicadores, o Brasil ainda é Terceiro Mundo.