Título: O superaquecimento e a ameaça de volta da inflação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2010, Economia, p. B2
O crescimento econômico exige equilíbrio entre os diversos fatores que o sustentam: não basta aumentar o consumo, se a produção industrial não acompanha; não basta incentivar o consumo, se a expansão do crédito não é possível; não se pode produzir sem investimentos, que exigem poupança. São exemplos de desequilíbrios cuja ausência mostra a qualidade de uma política econômica.
Visando às eleições, o governo praticou uma política de estímulo ao consumo sem levar em conta se os vários setores da economia poderiam sustentá-la. O superaquecimento abriu o caminho para a volta das tensões inflacionárias, que exigem medidas para não sair do controle e eliminar rapidamente os progressos alcançados.
No domingo, no caderno de Economia, chegamos a dar diversos exemplos de como o ritmo excessivamente rápido de crescimento do consumo está contribuindo para a volta da inflação, que, paradoxalmente, como dissemos em diversos comentários, está reduzindo o poder aquisitivo dos assalariados.
O excesso de demanda está na origem desse mecanismo cego de volta da inflação. Podemos começar por analisar a demanda pela casa própria, um desejo altamente justificado das famílias. Iniciou-se um programa da casa própria, mas sem preparativos do lado da produção. Diante de um aumento concentrado da demanda (que poderia ser regulada pelo crédito), os fornecedores se aproveitaram para elevar os preços do material de construção. Até abril, em 12 meses, o preço do cimento subiu 25%; o da tinta, 23%; o da argamassa, 15%; e o do tijolo, 11,8%. São os novos proprietários que pagarão esses aumentos, que ultrapassam os mais generosos aumentos salariais.
Na véspera da Copa do Mundo, era previsível uma ampliação da demanda de aparelhos de TV. No 1.º trimestre, só de televisores de tela de cristal líquido a produção cresceu 135%, mas muitas TVs estão esperando a liberação de componentes importados que nosso sistema portuário e alfandegário não consegue agilizar, o que acarreta um aumento do custo do produto. O mesmo se verifica na fabricação de carretas, cujos pneus sofrem um atraso de dez dias de entrega. A mesma situação se verifica no caso das latas de cerveja e refrigerantes. Com o forte crescimento da demanda e a elevação do preço dos insumos, os fabricantes de embalagens pedem aumento de até 20%. Os preços dos serviços também se elevam. E a alta dos juros prepara um crescimento da inadimplência.