Título: Separatistas são favoritos na Bélgica
Autor: Dias, Cristiano
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2010, Internacional, p. A20

Possibilidade de divisão do país entre valões e flamengos, com a fragmentação do território belga, deve se ampliar com eleições de hoje

Tentando explicar a eliminação precoce da seleção belga de um recente campeonato europeu sub-19, jornalistas esportivos do país descobriram que os jogadores não se entendiam. Literalmente. A defesa formada por valões falava francês e ignorava o goleiro flamengo, que berrava em holandês. O fiasco no futebol é só um reflexo do fracasso do país. Nas eleições de hoje, pela primeira vez, a vitória deve ser de um partido separatista.

A possibilidade de cisão territorial e a fragmentação da política interna faz da Bélgica o país mais esdrúxulo da Europa. Bruxelas é o centro da União Europeia, uma metáfora da integração do continente. Ao mesmo tempo, é símbolo de um país disposto a se desintegrar.

O cenário fica ainda mais sombrio porque a Bélgica assume, dia 1.º, a presidência rotativa da União Europeia. O processo de formação de um novo governo é lento - em 2007, foram nove meses até que se formasse uma coalizão -, o que significa que a presidência do bloco, em um momento de crise, será ocupada por um país desgovernado.

"Para a UE, o ideal seria que o país estivesse funcionando normalmente, mas as instituições europeias são fortes e o impacto causado pela ausência de um governo durante a presidência da Bélgica não será tão grande", disse ao Estado Carl Devos, analista político da Universidade de Gent.

O eixo dos problemas é o antagonismo entre a Flandres, região mais rica que fala holandês, e a Valônia, parte pobre que fala francês. Cada um vive em um mundo próprio: os flamengos leem os jornais da região, assistem à TV flamenga e só podem votar em partidos flamengos. Os valões são afrancesados, têm hábitos diferentes e também só podem votar em políticos francófonos.

Os valões são 40% da população, mas detêm menos de 25% da riqueza do país. Segundo estimativas oficiais, todo ano são transferidos de Flandres para a Valônia cerca de 15 bilhões, 6% do PIB belga. Alguns flamengos acham muito. E citam o caso alemão: após a unificação, a solidariedade econômica entre Alemanha Ocidental e Oriental nunca passou de 3% do PIB.

A Valônia depende da burocracia estatal. Cerca de 40% dos valões são funcionários públicos e a existência do país é, para eles, uma questão de sobrevivência. Mas nem sempre foi assim. A região era rica em carvão e foi o motor do país até a metade do século passado. Segundo eles, é a vez dos flamengos darem sua contribuição.

Afrancesamento. Desde que a Bélgica foi criada, em 1831, a corte e o funcionalismo público se instalaram em peso na capital Bruxelas. Com o tempo, a cidade afrancesou-se. Perdeu seu aspecto medieval, ganhou um ar parisiense e tornou-se um enclave francófono no meio da Flandres.

Os habitantes da capital, oficialmente bilíngue, são os únicos que podem votar tanto em partidos flamengos quanto em valões.

O arranjo funcionou até recentemente, quando a elite afrancesada de Bruxelas - em um movimento bastante comum em grandes metrópoles - começou a se mudar para o subúrbio e a reivindicar o direito de votar em políticos valões.

O subúrbio é território flamengo e a migração, que seria normal em qualquer país do mundo, virou uma declaração de guerra. A questão foi um dos temas da campanha e os nacionalistas ganharam força. "Todos os partidos flamengos defendem uma reforma política. As divergências estão apenas no grau de autonomia que eles querem para a Flandres", disse Devos.

Os mais radicais são os nacionalistas da Vlaams Belang (VB), partido anti-islâmico de extrema direita que quer a independência imediata da Flandres. Os mais tolerantes são os grupos de centro-esquerda, principalmente os socialistas e os cristãos-democratas, que lutam por maior autonomia, mas não pelo fim do país.

Favoritos. Segundo todas as pesquisas, a favorita é a Nova Aliança Flamenga (N-VA). Liderada por Bart de Wever, o partido deve ter 25% dos votos. O N-VA defende o fim da Bélgica, mas de maneira democrática e gradual.

"Não queremos nenhuma revolução", afirmou De Wever na reta final de campanha, em uma tentativa de acalmar os investidores internacionais. Em outras palavras, a Bélgica deve mesmo acabar, mas não agora.