Título: Com consumo em alta, já faltam latas de cerveja e pneus
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2010, Economia, p. B3

Pressão do consumo provocada pelo aumento do poder de compra afeta também a indústria de TVs e de celulares na Zona Franca

O superaquecimento do consumo, sinalizado pelo crescimento recorde do Produto Interno Bruto (PIB )no primeiro trimestre, já provoca escassez de produtos. Fabricantes de reboques e semirreboques para transporte rodoviário de carga estão com os pátios cheios de carretas prontas que não podem ser entregues por falta de pneus.

Na Zona Franca de Manaus, as indústrias de televisores e de celulares não conseguem cumprir os prazos de entrega ao varejo por falta de componentes importados. As mercadorias ficam paradas por cerca de nove dias à espera de liberação nos terminais de cargas do aeroporto da cidade, cuja infraestrutura é insuficiente para administrar o aumento no fluxo de cargas, que triplicou nos últimos meses.

Além da quantidade limitada de modelos de TVs, o brasileiro ainda correu o risco ver o copo vazio durante a Copa do Mundo. O forte aumento do consumo de cervejas e refrigerantes este ano, muito acima do esperado, provocou falta de latas de alumínio e rótulos de cerveja no País, obrigando os fabricantes a importar esses insumos para atender à demanda doméstica.

O surpreendente crescimento de consumo decorreu, em boa parte, do aumento do poder aquisitivo e da oferta de crédito fácil no País. O ritmo foi tão acelerado que o Banco Central retomou a política de alta da taxa de juros para evitar descompassos entre oferta e demanda capazes de pressionar a inflação.

Pneus. Um típico exemplo desse descompasso ocorreu no segmento de pneus de carga (para caminhões e ônibus). Depois de terem desativado parte das linhas de produção desse tipo de pneu no período mais crítico da crise financeira mundial, agora os fabricantes instalados no País não conseguem acompanhar o ritmo acelerado da demanda, que cresceu com o aquecimento da economia brasileira.

Nos primeiros quatro meses de 2010, foram vendidas 16,4 mil carretas, o que representou crescimento de quase 40% em relação a igual período do ano passado, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários (Anfir). Desde janeiro, o preço do pneu subiu em média 16%.

A falta do produto tem provocado atrasos crescentes nas entregas de carretas, que já chegam a dez dias. "A situação é tão complicada que alguns clientes chegam a trazer pneus usados para poder retirar o equipamento", conta o diretor executivo da Randon Implementos e Veículos, Norberto Fabris. A empresa é líder de mercado, com 35% das vendas no País.

Com fábricas no município gaúcho de Caxias do Sul e em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, a Randon costuma manter um estoque médio de 800 carretas em seus pátios. Na semana passada, esse número era de 1.300 unidades.

"Temos de fazer malabarismo para tentar driblar essa situação que nos prejudica bastante", diz José Carlos Librelato, diretor-presidente da Librelato, de Santa Catarina. "Estamos com a produção de quase um mês parada no pátio", ressalta o empresário. No mês passado, a Librelato emplacou 324 carretas.

O presidente da Anfir, Rafael Wolf Campos, pressiona o governo a adotar medidas capazes de regularizar o problema da falta de pneus no curto prazo. "No nosso ponto de vista, o ideal seria suspender a cobrança da sobretaxa contra a importação do produto chinês até o momento em que a indústria nacional tenha capacidade de atender o mercado doméstico."

Para o presidente da Associação Nacional da Indústria Pneumática (Anfir), Eugenio Deliberato, a proposta não faz sentido. "Não está proibido importar pneu da China, desde que pague a taxa antidumping. Não queremos reserva de mercado, e sim uma concorrência leal."

Desde o ano passado, os pneus importados da China sofrem uma sobretaxa de US$ 1.43 por quilo, em média. A importação dos produtos chineses, que já respondiam por mais de 10% do mercado brasileiro, praticamente deixou de existir depois da decisão do governo brasileiro.

As indústrias de Manaus reclamam da falta de pessoal no Aeroporto Eduardo Gomes para despachar os componentes importados que chegam à Zona Franca. "A demora na liberação das importações provoca atraso na linha de montagem das fábricas, que trabalham a plena carga", conta o diretor executivo da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, Flávio Dutra.

Só no primeiro trimestre, a produção de televisores de tela de cristal líquido (LCD) em Manaus chegou a 1.590 unidades, um aumento de 135% em relação ao mesmo período do ano passado. A produção de celulares cresceu 18,6%.

No setor de bebidas, o aumento do consumo e a falta de investimento resultou na escassez de latas de alumínio para cervejas e refrigerantes. A incapacidade dos fornecedores em atender à demanda fez o governo reduzir temporariamente a tarifa de importação para as latinhas, de 16% para 2%.