Título: Ao insistir em enriquecer urânio, Teerã mina sua credibilidade
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2010, Internacional, p. A20

Ban Ki-moon, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU)

O debate sobre sanções adicionais ao Irã está incendiando o Conselho de Segurança da ONU, mas nem o assunto é capaz de fazer o secretário-geral da organização, o sul-coreano Ban Ki-moon, variar seu tom de voz ou expressão facial. No ápice de sua argumentação, ele levanta as sobrancelhas. E só.

Em entrevista exclusiva ao Estado, Ban lutou para manobrar entre os dois polos da disputa iraniana. Como querem Brasília e Ancara, afirma que o acordo Brasil-Turquia-Irã, com boa vontade, seria "o início de uma solução negociada". Logo em seguida, assim como americanos e europeus, diz que a decisão de continuar enriquecendo urânio a 20% "mina a credibilidade" do Irã.

Ban veio ao Rio para o 3º Fórum da Aliança de Civilizações, que terminou ontem.

Como o sr. vê o acordo turco-brasileiro com o Irã?

Eu vejo com bons olhos esse acordo, trata-se de um caminho pacífico para se resolver a questão iraniana. Se ele tiver amplo apoio da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e da comunidade internacional, poderá realmente se transformar num primeiro passo para uma solução negociada. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que os iranianos não foram capazes de provar e convencer a comunidade internacional de que seu programa nuclear é exclusivamente para fins pacíficos. O que fez crescer as preocupações é que, após assinar o acordo, o Irã anunciou que continuaria a enriquecer urânio a 20%. Essa atitude mina a credibilidade dos iranianos.

A resposta seriam as sanções?

Em uma posição de princípios, sempre defendi que todos esses temas fossem resolvidos por meios pacíficos e pelo diálogo.

Líderes do Irã, como o próprio presidente Mahmoud Ahmadinejad, têm criticado a AIEA. As relações entre a ONU e Teerã estão se deteriorando?

Em primeiro lugar, antes de criticar a integridade da ONU, os iranianos devem cooperar totalmente com a AIEA. Em segundo lugar, devem respeitar todas as cinco resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU, incluindo as três que determinam sanções. Só então posso admitir qualquer crítica à AIEA ou à integridade da ONU.

O sr. teme que o Irã se retire do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)?

Não tenho nenhum comentário a fazer nesse sentido. Trata-se de uma questão hipotética. O Irã, em várias ocasiões, se comprometeu a continuar na AIEA e no TNP.

O Brasil acredita ter o direito legítimo a um assento permanente no Conselho de Segurança. Como o sr. vê isso?

Não apenas o Brasil, mas todos os membros da ONU concordam que o Conselho de Segurança deve ser expandido. Isso deve ser feito para responder aos desafios colocados à comunidade internacional 65 anos após a fundação da ONU.

E nesse Conselho de Segurança reformado, o Brasil deve ter um lugar especial?

O Brasil é um dos aspirantes a esse assento permanente. Há três anos a Assembleia-Geral decidiu que era ela a responsável por essa questão, mesmo que fossem adotados mecanismos informais para debatê-la. Os países membros estão compilando suas propostas e, em breve, será possível discutir o assunto com base em textos. Como secretário-geral, a reforma do Conselho tem sido uma prioridade para mim.

O Brasil está à frente da missão militar da ONU no Haiti. Muitos militares brasileiros afirmam que, após o terremoto, tornou-se imperativo um novo mandato do Conselho de Segurança, mais amplo, capaz de ir além da questão da segurança para abarcar temas socioeconômicos da reconstrução.

O Conselho de Segurança tem tomado medidas importantes em relação ao Haiti, entre elas execução da minha proposta de aumentar o número de soldados e policiais no país. Sobre um novo mandato, é preciso novas consultas no Conselho. Fomos capazes de mobilizar, em um dia, US$ 10 bilhões para a reconstrução. Estamos comprometidos em construir um Haiti melhor.

O sr. é um dos poucos que soa otimista ao falar do Haiti.

Sim, estou otimista.

O sr. está otimista também em relação à crise entre as Coreias?

Foram significativas as evidências coletadas pelo grupo que conduziu a investigação internacional. Estou certo que, agora, o Conselho de Segurança terá um papel crucial para garantir que o caso seja solucionado por meios pacíficos.