Título: Carga tributária na campanha eleitoral
Autor: Maciel, Everardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2010, Economia, p. B2

Questões fiscais sempre integram as agendas dos candidatos em disputas eleitorais, porque para elas convergem expectativas individuais e coletivas, o dilema entre solidariedade social e liberdade de escolha, demandas por justiça e outros sentimentos, não raro contraditórios, que habitam o cotidiano das pessoas.

O Brasil não constitui exceção a esse paradigma universal. As promessas transitam quase sempre por mais gastos públicos e menos impostos, sem maiores preocupações com o equilíbrio nessa prosaica equação fiscal.

Há uma percepção generalizada quanto ao desproporcional tamanho da carga tributária brasileira (ao redor de 36% do PIB), sobretudo se confrontado com países em mesmo estágio de desenvolvimento. Justamente por essa razão, a sociedade, especialmente o empresariado, clama por uma redução na carga tributária. A matéria, entretanto, não é trivial e merece algumas reflexões.

No âmbito dos países desenvolvidos, há uma clara linha divisória: os da Europa Ocidental têm uma carga tributária relativamente elevada (37% a 50% do PIB) e uma política de gastos públicos pautada pelo Estado de bem-estar social; os Estados Unidos, o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e, em futuro próximo, possivelmente o Chile optam por transferir para a sociedade o exercício de muitas funções tidas como públicas e, em consequência, desfrutam de uma carga tributária menor (27% a 30%). A propósito, relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgado em abril vaticina que esses patamares de carga tributária irão aumentar como forma de arrostar os níveis temerários atingidos pelo endividamento público.

Nos demais países, a carga tributária é inferior a 25%, sem que exista, contudo, uma nítida definição quanto à opção pelo tipo de Estado fiscal: a China não tem sistema de proteção previdenciária; a Índia está implantando um projeto de reforma tributária visando a elevar as receitas públicas para enfrentar a dramática questão da pobreza; Rússia, México e muitos países produtores de óleo e gás financiam suas despesas fiscais com participações nas receitas provenientes da exploração dessas matérias-primas, o que constitui um modelo extremamente vulnerável a humores de mercado; já na imensa maioria dos países africanos e latino-americanos, o Estado é débil e o orçamento público é suportado, muitas vezes, por doações providas por países ricos.

A incapacidade de os países latino-americanos e caribenhos executarem políticas de longo prazo para resolver os problemas de crescimento e distribuição de renda é que levou a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) a defender, em seminário realizado no final de maio, a elevação da carga tributária na região, ressalvando que essa proposição não se aplicava ao Brasil.

Essa recomendação segue a mesma linha de raciocínio da secretária Hillary Clinton, que, em conferência proferida no mês anterior, destacou o Brasil, para espanto de muitos brasileiros, como sendo o único Estado fiscal, na América Latina, com condições de prover políticas públicas efetivas.

A carga tributária brasileira vem crescendo sistematicamente desde o pós-guerra, a reboque do crescimento do Estado. Os que reclamam contra o tamanho da carga tributária esquecem que temos, também, o maior volume de despesas públicas, como proporção do PIB, no contexto dos países com mesmo grau de desenvolvimento.

Os gastos públicos, desde a promulgação da Constituição de 1988, vêm se expandindo aceleradamente, por uma miríade de razões: criação irracional de municípios, vertiginoso aumento das despesas dos Poderes Legislativo e Judiciário, universalização da saúde pública, política de pessoal construída ao sabor das pressões corporativas, generosidade e perpetuidade dos programas de assistência social, juros (muitas vezes escorchantes) pagos por conta da dívida pública, etc. Sem nenhum juízo de valor, esse é o Estado que vem sendo construído pelos brasileiros.

Além disso, há mais demandas por gastos: a infraestrutura, inclusive a urbana, está sucateada; a Olimpíada e a Copa do Mundo implicam investimentos vultosos, cujo retorno é improvável; e os programas de saúde continuarão a cobrar mais recursos.

Muitos, justificadamente, reclamam da qualidade dos serviços públicos. Infelizmente, qualquer pretensão de melhoria sempre se faz acompanhar por propostas de vinculação de receitas ou de criação de novos tributos.

A questão da carga tributária passa inevitavelmente por uma discussão sobre o gasto público. Seria recomendável a construção de uma Estratégia Fiscal, contendo ao menos regras rígidas para a evolução dos gastos correntes (especialmente despesas de pessoal), a elaboração de um programa de eficiência e qualidade no serviço público (como fazer melhor com menos recursos, inclusive mediante outorga de serviços à iniciativa privada) e a modernização da legislação orçamentária. Tudo isso associado a um projeto de redução de alíquotas de tributos. Trata-se de uma tarefa difícil e complexa. Não há, entretanto, alternativa para a redução da carga tributária.

CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)