Título: Temer muda regras para aprovar Fundo Social e partilha
Autor: Andrade, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2010, Economia, p. B3

Presidente da Câmara dá nova interpretação à Constituição para evitar que projeto aguarde a[br]desobstrução da pauta

Com a pressa do governo para concluir o marco regulatório para o petróleo na camada do pré-sal, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), vai mudar as regras de votação na Casa com uma nova interpretação da Constituição para permitir a aprovação do projeto que cria o Fundo Social e institui o sistema de partilha na próxima semana.

Sem a manobra, o projeto terá de esperar a votação de cinco medidas provisórias obstruindo a pauta e dificilmente será votado no calendário previsto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com os vários mecanismos regimentais, os deputados levam cerca de nove horas para votar uma medida provisória quando a oposição decide obstruir as votações. Além disso, haverá os jogos da Copa do Mundo, as convenções partidárias nos Estados e as tradicionais festas juninas no Nordeste para ajudar a esvaziar o quórum. O acerto da nova interpretação já foi feito entre Temer e o governo e a secretaria da Mesa preparou um parecer para sustentar a manobra.

Apostando no sucesso da estratégia, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), está convocando os deputados da base para votar o projeto na próxima terça-feira, depois do jogo de estreia do Brasil na Copa do Mundo. O líder vai pedir aos aliados que rejeitem a emenda aprovada pelos senadores que divide o dinheiro dos royalties do pré-sal de forma isonômica entre todos os Estados e municípios, mas a tendência clara entre os deputados, no entanto, é pela aprovação da proposta. O líder governista considera natural o veto à emenda pelo presidente Lula. "Como não tem base constitucional, deve ser vetada."

Mudança. Pela nova regra de Temer, as medidas provisórias não trancarão mais os projetos do pré-sal. Atualmente, vale a seguinte norma, instituída pelo próprio Temer: um projeto de lei está submetido ao trancamento de pauta se estiver tratando de um assunto que pode ser objeto de edição de medida provisória. No caso do pré-sal, no lugar de um projeto de lei, o presidente Lula poderia ter enviado ao Congresso medidas provisórias para definir o marco regulatório, assim, as propostas só poderiam ser votadas com a pauta livre.

Agora, para burlar essa obstrução, o entendimento é que Lula não poderia editar MP sobre o pré-sal, tirando as propostas do trancamento, porque o tema dos projetos já foi modificado antes por emenda constitucional. Temer recorreu a um dispositivo constitucional que proíbe a edição de medidas provisórias para regulamentar artigo da Constituição, cujo texto foi alterado no período de 1995 a 2001. O argumento é que o pré-sal está relacionado à emenda constitucional que acabou com o monopólio do petróleo, em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso e, portanto, está dentro da proibição. A interpretação de Temer, porém, despreza o fato de que o fim do monopólio foi regulamentado por projeto que resultou na Lei 9.478. Essa mesma lei já foi alterada outras vezes por medidas provisórias.

"A cada momento se dá uma interpretação da Constituição. A instituição (Câmara) está em crise. Uma crise de vergonha na cara, na qual a instituição segue as regras da conveniência de quem tem poder e a interpretação é feita de forma a favorecer o governo", protestou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP).

Assessores jurídicos da secretaria da Mesa alertam que essa nova regra para salvar o pré-sal terá consequências para o próprio governo, limitando a edição de MPs. As regras da administração pública, por exemplo, passaram por reforma constitucional. Várias MPs criando cargos e concedendo aumentos salariais foram editadas depois disso e, com a nova regra, essa prática não poderá mais ser usada. Mesmo no caso da lei do petróleo, incluindo o pré-sal, nenhuma mudança poderá ser mais por MP.

Conveniência

ARNALDO MADEIRA DEPUTADO DA OPOSIÇÃO (PSDB-SP)

"A cada momento se dá uma interpretação da Constituição. A Câmara está em crise. Uma crise de vergonha na cara, na qual a instituição segue as regras da conveniência de quem tem poder e a interpretação é feita de forma a favorecer o governo"