Título: Perspectivas para as contas externas
Autor: Khair, Amir
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2010, Economia, p. B9

As contas externas do País têm sido motivo de justa preocupação. A razão é simples. A exportação, que garantia resultados positivos nos anos de ouro da economia mundial (2004 a 2008), não terá, pelo menos nos próximos dois anos, o forte crescimento ocorrido. As crises iniciadas em 2008 nos Estados Unidos e agora na Europa estão dificultando as exportações para os países desenvolvidos, por causa da estagnação do consumo nesses países.

A estratégia brasileira de estímulo ao consumo como mola mestra para o crescimento, adotada desde 2004, exige o aumento das importações, enquanto as empresas locais não conseguirem elevar sua produção para atender o maior patamar de consumo. Para agravar esse quadro, a política cambial não está impedindo a apreciação do real face às demais moedas, o que dificulta as exportações e facilita as importações do País.

Como resultado desta conjuntura, as contas externas voltaram a ser deficitárias desde 2008, com tendência de agravamento neste ano. Até 2009, o déficit das contas externas era coberto pelo investimento estrangeiro direto (IED). Neste ano, a cobertura se dará, além do IED, mais reduzido pela crise, pelos investimentos em carteira (ações e títulos públicos) de estrangeiros, que têm caráter especulativo. Isso gera preocupação e exige modificações neste quadro externo.

Conceito e evolução. O resultado das contas externas é dado pelo saldo das Transações Correntes, que é composto pela Balança Comercial (exportações menos importações), Balança de Serviços e Rendas (saldos de fretes, seguros, viagens, serviços financeiros, computação e informações, royalties e licenças, aluguel de equipamentos, serviços governamentais, rendas de salários e de investimentos) e Transferências Unilaterais (saldo de remessas de brasileiros do estrangeiro para o País e de estrangeiros no País para fora).

A Balança Comercial e, em menor escala, as Transferências Unilaterais contribuem favoravelmente para as contas externas. A Balança de Serviços e Rendas é estruturalmente deficitária e a causadora dos déficits externos. Durante dez anos ininterruptos (1993 a 2002), as contas externas foram deficitárias em US$ 189 bilhões. A partir de 2003 até 2007, foram superavitárias em US$ 45 bilhões, graças à contribuição da Balança Comercial, com US$ 190 bilhões, aproveitando o câmbio favorável, bons preços de commodities e crescimento forte do comércio internacional.

A partir de 2008, surgem os primeiros sinais de queda nos resultados da Balança Comercial, que passou de US$ 39 bilhões por ano entre 2003 e 2007 para US$ 25 bilhões em 2008 e 2009. Agravando isso, a Balança de Serviços e Rendas foi piorando, passando de um déficit médio anual de US$ 25 bilhões nos dez anos que vão de 1995 a 2004, para US$ 57 bilhões em 2008 e US$ 53 bilhões em 2009. Neste primeiro quadrimestre, as contas externas apresentaram déficit de US$ 16,7 bilhões. Mantido este ritmo, poderão alcançar US$ 50 bilhões neste ano.

Mudanças e perspectivas. Para reverter isso sem causar impactos negativos ao crescimento econômico, algumas mudanças precisam ocorrer.

a) Câmbio: para melhorar a Balança Comercial, é necessário depreciar o real, que foi uma das moedas que mais se valorizou perante o dólar, graças à atratividade da expansão da economia brasileira, aos bons fundamentos macroeconômicos e às altas taxas de juros.

Para isso, a primeira medida é posicionar a Selic ao nível internacional para eliminar operações de arbitragem, onde o sistema financeiro capta recursos externos a taxas próximas a zero e os aplicam no País com as maiores taxas de juros do mundo. Duas outras medidas podem ser aplicadas de imediato para reduzir as aplicações especulativas de estrangeiros em carteira: 1) elevação do Imposto sobre Operações Financeiras, anulando o efeito de arbitragem e; 2) estabelecimento de um prazo mínimo de permanência dessas aplicações.

b) Importações: para melhorar a Balança Comercial, é mais fácil reduzir importações do que elevar exportações, face ao restritivo cenário externo. É o que vêm fazendo vários países, com a ampliação do protecionismo. Temos de proteger mais nossa economia contra a invasão de produtos de fora. Para isso, devem ser implementadas taxas mínimas sobre bens e/ou quotas de importação para duas situações danosas: 1) produtos com características de dumping, especialmente da China e; 2) reciprocidade de tratamento a países que imponham barreiras à exportação de nossos produtos, como no caso da Argentina e dos Estados Unidos.

c) Gargalos: prejudicam a posição competitiva externa dos produtos brasileiros os gargalos e custos de logística e de infraestrutura. A remoção desses gargalos exige volume substancial de recursos e planejamento adequado. Iniciativa nessa direção foi dada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 28 de janeiro de 2007. No último balanço do PAC, efetuado no final de maio, os investimentos alcançaram R$ 463,9 bilhões, que representaram 70,7% dos R$ 656,5 bilhões destinados para execução do programa até o fim do ano. O cumprimento do programa e sua continuidade são essenciais na direção da remoção dos gargalos que majoram o chamado custo Brasil.

d) Iniciativa privada: mudança de atitude já está brotando no setor privado. Independentemente da ação governamental, estão ocorrendo investimentos por grandes empresas. Com a retomada do crescimento, as companhias aceleraram empreendimentos no setor portuário, ferroviário e de armazenagem. Segundo levantamento da Fundação Dom Cabral com 76 grandes companhias, 91% estão investindo este ano, em especial em logística. O objetivo é acompanhar o avanço da demanda e evitar que os gargalos comprometam a rentabilidade da empresa.

e) Tributação: aproveitando o crescimento expressivo da arrecadação neste ano, o governo federal deveria devolver de forma programada créditos tributários estimados em R$ 10 bilhões, dando exemplo aos governos estaduais, que retêm indevidamente, para fazer obras, cerca de R$ 20 bilhões de créditos tributários de ICMS.

Essas são algumas mudanças de caráter mais imediato. No longo prazo, o cenário é favorável. O País tem posição estratégica no confronto internacional nas commodities e alimentos, que serão demandados em escala crescente acompanhando o contingente de novos consumidores das economias emergentes.

Segundo relatório da Agência para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil terá o mais rápido crescimento da produção agrícola no mundo nos próximos dez anos, com expansão superior a 40%, o dobro da média mundial, e se firmará como grande celeiro do mundo.

Além disso, possui reservas aquíferas, subsolo privilegiado e energia em abundância e de boa qualidade ambiental. Esses insumos permitem custos de produção altamente competitivos e agregação de valor com a incorporação de tecnologias disponíveis.

No caso do petróleo, com a ampliação da produção que se dará nos próximos anos, pode-se desenvolver posição agressiva de exportação do óleo cru e de produtos petroquímicos, ao dosar os preços ex-refinaria dos insumos básicos: nafta petroquímica e eteno.

Não vejo riscos de doença holandesa, face à diversidade de produção do parque industrial existente, do potencial não explorado de agregação de valor aos produtos exportados e da continuidade da diversificação de mercados, com direcionamento preferencial para os países emergentes, que deverão continuar a responder pela maior parte da expansão do comércio internacional.

Em síntese, embora as contas externas estejam deficitárias, não faltam instrumentos para, em médio prazo, reverter esse quadro se ocorrerem mudanças na política de exposição externa do País e continuidade nos estímulos à exportação. No longo prazo, as perspectivas são amplamente favoráveis para a retomada dos superávits externos.