Título: Saneamento e eleição
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2010, Notas & Informações, p. A3

O governo Lula às vezes parece movido a susto. Na semana passada, ao participar da assembleia-geral da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), em Uberaba, Minas Gerais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confessou ter se assustado ao saber que, aprovada por unanimidade no Senado e por aclamação na Câmara dos Deputados e por ele próprio sancionada há mais de três anos, a Lei de Saneamento Básico não tinha sido inteiramente regulamentada, faltando um decreto seu. Reconheça-se que, nesse caso, pelo menos, o presidente agiu com presteza e, na segunda-feira passada, menos de uma semana depois de ter levado o susto, assinou o decreto que completa a regulamentação da Lei de Saneamento (Lei 11.445/07).

O presidente da República ficou sabendo do problema não por informação de sua equipe, mas pelo discurso do presidente da Assemae, Arnaldo Luiz Dutra, que lembrou o fato de que o decreto regulamentando o setor de saneamento básico já tinha sido amplamente discutido pelos interessados - governo federal, governos estaduais, prefeituras, empresas públicas, organizações não-governamentais que atuam no setor e grupos privados que pretendem investir em saneamento básico -, seu texto estava pronto, mas continuava parado em alguma gaveta ministerial. "Fico sabendo apenas hoje que o decreto não foi publicado porque tem ministro que ainda não assinou", disse então Lula, diante de dois ministros de Estado, do prefeito de Uberaba e de uma plateia de 1,2 mil gestores da área de saneamento básico e representantes de movimentos sociais ligados à habitação e ao saneamento.

Não foi uma confissão surpreendente. A desarticulação administrativa, que resulta em ineficiência ou até paralisia do governo em diversas áreas, tem sido motivo de críticas frequentes à administração petista. Na área de saneamento básico, atrasos decorrentes de falhas de gestão podem impor custos muito altos para a população que não dispõe de serviços adequados de abastecimento de água tratada e de coleta e tratamento de esgotos e, por isso, convive com índices muito altos de doenças que afetam sobretudo as crianças.

Acertadamente, o presidente da República afirmou, em Uberaba, que "é preciso gastar dinheiro com saneamento básico neste país", pois "coletar e tratar esgoto significa cuidar da saúde da população de forma preventiva". Falou também da necessidade de mudar a visão do administrador público que não se sente estimulado "a colocar manilha debaixo da terra", pois isso não aparece para o eleitor.

Quanto a aparecer para o eleitor, em seus sete anos e meio de governo, Lula tem dado grandes provas de competência, inclusive no setor de saneamento básico. A principal diretriz da Lei de Saneamento Básico é garantir a universalidade do atendimento - isto é, estender a rede de água e esgoto a todas as habitações do País -, o que exige marco regulatório adequado, que facilite os investimentos públicos e privados, programas governamentais eficientes e disponibilidade de recursos.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal peça de propaganda do governo em favor de sua candidata à Presidência, previu a aplicação de R$ 10 bilhões por ano em saneamento básico entre 2007 e 2010 e de R$ 11,4 bilhões em 2011. Mas, para esse dinheiro chegar aos municípios necessitados, é necessário que suas prefeituras disponham de planos aprovados pelas respectivas Câmaras Municipais, exigência que somente umas poucas centenas de municípios, entre os mais de 5,5 mil do País, tinham condições de cumprir. O prazo para a aprovação desses planos terminava em 31 de dezembro deste ano. A prorrogação do prazo, no decreto de regulamentação da lei, era um dos itens pelos quais mais se empenhavam os prefeitos e os representantes dos serviços municipais de saneamento básico.

Mais uma vez demonstrando sua grande sensibilidade eleitoral, Lula assinou o decreto regulamentando a Lei de Saneamento durante a 4.ª Conferência Nacional das Cidades, realizada em Brasília, que ele conseguiu transformar numa grande festa política, com a ostensiva presença de grupos que apoiam a candidata governista à Presidência.