Título: Brasil e EUA se opõem à Europa no G-20
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2010, Economia, p. B1

Enquanto Alemanha, França e Reino Unido defendem programas de austeridade, o governo Obama briga pela manutenção dos estímulos

A Europa vai levar à cúpula do G-20, em Toronto, neste fim de semana, uma mensagem clara: a prioridade é a reorganização das finanças públicas, e não as medidas de relançamento da economia. Ministros de Finanças da União Europeia defenderam ontem os planos de austeridade implementados pelos principais países do bloco, como Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha.

Segundo a ministra de Finanças da França, Christine Lagarde, o retorno ao equilíbrio é "um imperativo" inegociável para o bloco, depois da onda especulativa na Grécia, em Portugal e na Espanha.

A posição é uma resposta antecipada aos Estados Unidos, que têm aumentado a pressão pela manutenção dos medidas de estímulo à atividade econômica na Europa. O Brasil está alinhado com a posição americana. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viaja hoje para Toronto, onde pretende cobrar dos governantes compromissos com a retomada do crescimento da economia (leia mais na pág. B3).

Pressão americana. Em artigo publicado no jornal The Wall Street Journal na quarta-feira, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, e o conselheiro econômico da Casa Branca, Lawrence Summers, enviaram o recado aos europeus. "Devemos mostrar nosso engajamento com a redução dos déficits em longo prazo, mas não ao preço do crescimento em curto prazo", afirmaram. "Sem crescimento agora, os déficits vão crescer e destruir o crescimento futuro."

Apelo semelhante foi feito pelo presidente Barack Obama, em carta enviada aos principais líderes políticos da Europa em 18 de junho. É preciso, diz Obama, "aprender com os erros cometidos no passado, quando as medidas de estímulo à economia foram retiradas rápido demais", sugerindo que os europeus devem aprender com o exemplo dos Estados Unidos nos anos 30.

As críticas pesam mais sobre a Alemanha e o Reino Unido, cujos planos de austeridade representarão cortes de gastos de ? 85 bilhões e ? 104 bilhões.

"Ação preventiva". Para rebatê-las, Christine Lagarde e George Osborne, ministros de Finanças da França e do Reino Unido, reiteraram a prioridade de seus países. A ministra francesa foi irônica ao comentar as declarações de Obama e Geithner em entrevista ao jornal Les Echos, ontem.

"A volatilidade de algumas declarações é quase a réplica da dos mercados", afirmou, cutucando as finanças americanas. "Os déficits públicos europeus escondem outros, tão importantes quanto, de outros países do mundo."

Em Londres, Osborne defendeu o projeto de corte de gastos, que classificou como "uma ação preventiva". "Não quero ver o país na situação da Espanha, da Itália ou da Grécia, que fizeram coisas drásticas para conter seus problemas de déficits."

Enquanto os Estados Unidos se preocupam em garantir o crescimento internacional, a agenda dos europeus no G-20 é voltada à regulação. A prioridade da Alemanha, da França e do Reino Unido é avançar na supervisão das instituições financeiras e, se possível, obter a aprovação dos demais países para uma taxa global sobre as operações financeiras.

O tema enfrenta a resistência de membros do G-20 como Canadá, Índia e Brasil. As divergências preocupam analistas. Nicolas Véron, economista do Centro Bruegel, de Bruxelas, adverte para o risco de naufrágio das negociações. "É cedo para chamar de fracasso a agenda financeira do G-20", diz. "Mas há um inescapável senso de que uma harmonização financeira global é incompatível com a realidade."