Título: Chineses no Brasil vão muito além da Rua 25 de Março
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/07/2010, Economia, p. B7

Nova geração de imigrantes chineses atua em vários setores da economia brasileira, que vão do software à agricultura

Yim King Po chegou ao Brasil de navio, aos nove anos, vindo de Hong Kong. Tinha 13 anos quando o pai faleceu e precisou assumir suas tarefas: vender de porta em porta enxoval de renda chinesa para mães ansiosas. Ele estudou engenharia na Universidade de São Paulo (USP), trabalhou em banco, mas sempre quis montar um negócio. Teve agência de viagem, bar, importadora, mas nada dava certo.

Hoje, aos 51 anos, Yim joga golfe com a alta sociedade paulistana. Sua empresa, a YKP, patrocina o campeão brasileiro do esporte, Ronaldo Francisco. Fornecedora de sistemas de software para empresas como Toyota ou Merck, a YKP fatura R$ 50 milhões por ano, emprega 300 pessoas e ocupa cinco andares de um prédio no Brooklin, área nobre de São Paulo.

"O Brasil é o país da oportunidade. Quem quer trabalhar, vai longe", disse Yim. Ele é um exemplo de uma nova geração de chineses que aliou o espírito empreendedor da terra natal com o recente crescimento da economia brasileira. São empresários, médicos e advogados cujas atividades vão muito além da importação de bugigangas da Rua 25 de Março, região de comércio popular da capital paulista.

Vivem hoje no País cerca de 200 mil chineses. Mais de 80% em São Paulo. Boa parte está no Centro, nos bairros da Liberdade, do Brás e trabalha com importação de produtos chineses - algumas vezes de forma ilícita. Ainda é comum a máfia chinesa cobrar propina dos pequenos comerciantes recém-chegados, que mal falam português.

Mas muitos chineses que estão no Brasil progrediram, aproveitando o incremento do comércio entre os dois países. "A China se transformou no maior produtor de manufaturas do mundo e isso trouxe oportunidades para os imigrantes chineses no mundo todo", diz Fernando Ou, presidente da Câmara Brasil - China de Desenvolvimento Econômico (CBCDE).

Prosperidade. Boa parte do sucesso se deve à dedicação das famílias chinesas, que priorizam a educação e fazem questão que os filhos estudem nas melhores universidades brasileiras. Melhorar de vida é obsessão para os chineses, cujos celulares e placas de carros possuem muitos números oito - o numeral tem o mesmo som da palavra prosperidade em mandarim.

Alguns se transformaram em empresários de renome como Shan Ban Shun, fundador da Eleva Alimentos e hoje um dos maiores acionistas individuais da BR Foods (fusão entre Sadia e Perdigão), ou o dono do Moinho Pacífico, Lawrence Pih.

Pih nasceu em Xangai e chegou ao Brasil com 8 anos. Seu pai, Pih Hao Ming, estabeleceu-se primeiro no Rio de Janeiro, mas preferiu mudar para São Paulo, porque se identificava mais com o intenso ritmo de trabalho da cidade. De família abastada, o pai adquiriu uma frota de caminhões e, mais tarde, optou pela produção de farinha de trigo. O filho fez doutorado em filosofia nos Estados Unidos, mas voltou ao País em 1966 para tocar os negócios.

Em 2012, a imigração chinesa no Brasil vai completar 200 anos. Os primeiros imigrantes vieram da colônia portuguesa de Macau e chegaram ao País para plantar chá onde hoje é o bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Foram trazidos por Dom Pedro I, que estava preocupado com o aumento do preço do chá praticado pela Inglaterra. Depois de um longo intervalo, a imigração foi retomada nos anos 50, quando os chineses fugiram do comunismo depois que Mao Tsé-tung tomou o poder na China em 1949.

Para chegar ao Brasil, os chineses viajavam mais de 45 dias de navio. Vinham atraídos pela disponibilidade de terra agricultável. "No Brasil, é muita terra e pouca gente. Ao contrário da China onde tem muita gente e pouca terra", diz Paul Liu, diretor da Fortune Consulting.

Alguns chineses fizeram fortuna no interior do País. É o caso de Ma Shou Tao. Economista e administrador, Ma emigrou com a família para o Brasil. Em São Paulo, começou a vida como comerciante de lâmpadas chinesas, mas logo percebeu que o futuro do País estava na agricultura. Chegou a Carazinho, no Rio Grande do Sul, sem qualquer experiência no cultivo.

"Os imigrantes alemães eram os amigos do meu pai e ensinaram o chinês a plantar soja", conta o filho Jônadan Ma, braço direito do pai nos negócios. O primeiro plantio da família foi feito em 120 hectares de terra arrendados. Ma Shou Tao prosperou no Sul, mas acompanhou a expansão da soja no Cerrado e mudou-se para o Triângulo Mineiro. Hoje o Grupo Boa Fé (a família é protestante fervorosa) planta 3 mil hectares e é dono da empresa Good Soy, que vende soja para consumo humano.

Trocas culturais. Todos os entrevistados pela reportagem falam bem o português, mas ainda têm sotaque. O idioma é uma barreira importante para os chineses, e muitos convivem apenas na comunidade. Ainda assim, trocas culturais com os brasileiros ocorrem. Habilidosos na cozinha, os chineses dizem que inventaram o pastel. Nas décadas de 60 e 70, eram donos da maioria das pastelarias de São Paulo.

A acupuntura também chegou ao País pelas mãos de especialistas chineses e conseguiu adeptos até se tornar uma especialidade médica reconhecida. O doutor e mestre em artes marciais Yip Fu Kwan fundou a Associação de Medicina China e Acupuntura do Brasil e a Associação Zhong-Yi-Yao de Medicina Chinesa do Brasil.

Ele chegou ao País em 1973, com 28 anos, e conta que só começou a trabalhar como médico depois de curar a sogra de um colega alemão. Hoje, Yip possui um consultório e um centro de artes marciais no bairro de Moema, em São Paulo, e maioria de seus clientes é brasileira. "O Brasil é um país novo e precisa dos meus conhecimentos", diz.

No coração do bairro da Liberdade, o restaurante Chi Fu é ponto de encontro da comunidade chinesa. A reportagem almoçou comida típica com Fernando Ou, presidente da Câmara Brasil-China, e Tang Wei, secretário executivo. A dona do restaurante não fala português e, envergonhada, não quis dar entrevista.

Tang é um jovem e cheio de ideias novas para a comunidade chinesa. Chegou ao País em 1988, com 19 anos. Três anos depois, ainda com dificuldade para escrever em português, foi aceito na Faculdade de Direito do Lago São Francisco da USP, uma das mais tradicionais e disputadas do Brasil.

Ele participa de um time de futebol só de chineses e conta que os jogadores "não têm habilidade, mas muita força de vontade". Naturalizado brasileiro, foi candidato a vereador em 2008 e teve só 4 mil votos, mas pretende voltar a concorrer. "Falta um representante da comunidade chinesa na Câmara de Vereadores de São Paulo", diz.