Título: G20 - o que há de comum na agenda dos BICs?
Autor: Rios, Sandra Polónia
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2010, Economia, p. B2

O Estado de S.Paulo

Brasil, Índia e China emergem como líderes mais assertivos depois da crise financeira de 2008. Os três países vêm buscando minimizar suas diferenças para construir uma frente unida em suas tentativas de defender seus interesses estratégicos e obter visibilidade crescente como potências emergentes numa ordem internacional em mudança. Já a Rússia - o quarto membro dos Brics - teve desempenho desastroso durante a crise e perdeu peso internacional, ao menos em termos econômicos. Além disso, a dependência em relação ao petróleo e gás, população em declínio e o fato de não ser membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) distanciam a Rússia dos outros três países.

Os BICs (Brasil, Índia e China) são atores-chave em suas regiões, competem por mercados internacionais de produtos industriais (com o yuan desvalorizado causando prejuízos às exportações do Brasil e da Índia) e por influência geopolítica (China e Índia na Ásia; Brasil e China na África).

Os BICs são países grandes, com amplos mercados domésticos, mas apresentam diferenças econômicas marcadas entre eles no que se refere a tamanho e a modelos de desenvolvimento. Em termos de peso econômico, a China se distancia dos outros dois países. O país segue um modelo de desenvolvimento baseado em investimentos e exportações, tendo evidentes vantagens comparativas na exportação de manufaturas. Já o Brasil e a Índia são mais focados em seus mercados domésticos, mas têm padrões de especialização internacional diversos: o Brasil é altamente competitivo em commodities, enquanto a Índia, em serviços de tecnologia da informação.

Em seus modelos políticos, os três países também seguem trajetórias diversas e, neste caso, a principal diferença também opõe Brasil e Índia à China. Enquanto o Brasil e a Índia são democracias estáveis e desfrutam de alto grau de legitimidade doméstica e internacional, a China continua presa ao modelo autoritário de partido único e desrespeito aos direitos humanos e liberdades democráticas.

Brasil e Índia fazem campanha pela reforma no Conselho de Segurança da ONU, de que a China participa como membro permanente, ao lado de EUA, Rússia, França e Reino Unido. Uma potência não nuclear, o Brasil ressente-se do fato de não possuir aí um assento permanente, sentimento compartilhado pela Índia, potência nuclear.

Os BICs saíram da crise econômica e financeira global com credenciais para influenciar assuntos globais. Os três países têm feito forte pressão para estabelecer o G-20 como um fórum principal para coordenação econômica internacional, aumentando o pequeno grupo de Gs que coordenavam as políticas macroeconômicas antes da crise.

Apesar de esforços para estabelecer posições comuns em frentes de negociação relevantes, os BICs possuem diferenças significativas em seus interesses econômicos e estratégicos, como se depreende da análise das posições dos três países nos temas principais da agenda do G-20:

Recuperação e desequilíbrios globais: os três países têm interesses claramente divergentes. Brasil e Índia têm sido afetados negativamente pela valorização do yuan, mas têm evitado pressionar a China de forma aberta, deixando para os EUA essa tarefa;

Reforma do setor financeiro: os BICs estão unidos na demanda pela reforma do sistema financeiro, mas existem diferenças importantes nos detalhes das propostas de cada um dos três, refletindo diferenças nos seus sistemas financeiros domésticos;

Reforma das instituições financeiras internacionais: esse é o tema em que os interesses estratégicos dos três países são claramente convergentes. Os BICs estão unidos nas demandas por reformas nas cotas, voz e governança;

Mudança climática: os BICs têm matrizes energéticas bem diferentes, interesses divergentes na agenda climática, mas vêm tentando apresentar posições comuns, apesar da recente movimentação do Brasil em direção a uma abordagem mais "progressista". Em comum, os três países preferem que as negociações sobre mudança climática ocorram no fórum da ONU (United Nations Framework Convention on Climate Change - UNFCCC), em vez de levá-las ao G-20;

Comércio global: nesse tema os interesses também são predominantemente divergentes e a tentativa dos três países de coordenar posições no G-20 comercial mostrou seus limites nos últimos lances das negociações da Rodada Doha. Mais recentemente, vem aumentando significativamente o número de iniciativas de defesa comercial no Brasil contra produtos chineses, enquanto cresce o mal-estar no País ante o avanço das exportações chinesas para os países sul-americanos - tradicionais mercados para os produtos industriais brasileiros.

Apesar do acrônimo atraente, a racionalidade dos BICs como coalizão é questionável. Os esforços dos três países - mas principalmente do Brasil - para manter uma agenda comum escondem suas diferenças e obstruem sua habilidade para construir alianças com geometria variável, que melhor poderiam contribuir para a defesa de seus interesses individuais.