Título: Com apoio do Brasil, Zelaya orquestra retorno a Honduras 1 ano após golpe
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2010, Internacional, p. A18

Deposto quer voltar para liderar luta por assembleia constituinte; Itamaraty diz que repatriamento é precondição para normalizar relações

O golpe de Estado que culminou na expulsão do presidente Manuel Zelaya, de pijamas, para a Costa Rica completa amanhã seu primeiro aniversário, mas o imbróglio político hondurenho ainda parece estar longe do fim. Asilado desde janeiro na República Dominicana, o antigo "hóspede" da embaixada brasileira exige seu retorno incondicional ao território - e à política - de Honduras para "continuar a luta por uma constituinte".

O Brasil, ao lado de países como Argentina, Equador e Venezuela, levanta a bandeira do retorno de Zelaya no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Esse grupo impõe duas precondições gerais para a reintegração de Tegucigalpa ao sistema interamericano e para a normalização de relações bilaterais: o fim do exílio de Zelaya e garantias de que ele não será perseguido pela Justiça ao colocar os pés de volta no país.

Em Santo Domingo, o ex-presidente evita falar com jornalistas e se comunica por meio de notas. Mas seu principal assessor, Rasel Tomé, é inequívoco ao ser questionado sobre o que pretendem exatamente os zelaystas. "Nosso objetivo é tomar o poder pacificamente", diz ao Estado, por telefone, de Tegucigalpa. Para isso, segundo Tomé, Zelaya deve voltar a Honduras e conduzir "a luta nas ruas" - de preferência como candidato a algum cargo público - por uma assembleia constituinte. "Queremos é mudar a Constituição."

Foi exatamente essa ameaça que abriu o fosso da crise no ano passado, com Suprema Corte, Legislativo, Forças Armadas e Igreja unidas para atropelar a lei e derrubar o presidente. O fim da história é conhecido: a casa de Zelaya foi invadida por um comando do Exército a mando da cúpula militar, ele acabou embarcado à força num avião e forjou-se uma carta de renúncia.

Boas-vindas. No dia 8, a OEA instituiu uma "comissão de alto nível" para analisar a situação em Honduras e publicar recomendações até o fim de julho, indicando o caminho à reintegração de Tegucigalpa. Na reunião em Lima, a secretária americana de Estado dos EUA, Hillary Clinton, reforçou a pressão sobre países que não aceitam o governo de Porfírio "Pepe" Lobo, eleito em novembro. Para Hillary, "já chegou a hora" de a OEA "dar boas-vindas" ao país caribenho.

"O Brasil acompanhará o que decidir a OEA", afirma o ministro Rubens Gama, que está prestes a assumir a Divisão de México e América Central do Itamaraty. Sem a volta de Zelaya, porém, a diplomacia brasileira não aceitará o governo Lobo. "Entendemos que a normalização passa pelo retorno", diz Gama. "Essa é a condição mais importante."

Questionado sobre a luta "para tomar o poder pacificamente" prometida pelos zelaystas, Gama diz que não está preocupado, "pois não parece ser esse o ânimo em Honduras".

Outro diplomata brasileiro envolvido na questão chama a atenção para uma complicação adicional. "Houve anistia para os golpistas, mas não para os "golpeados"", afirma, em condição de anonimato. A Justiça de Honduras deixou claro que, caso Zelaya volte, ele será processado por corrupção (as acusações antecedem ao golpe). Dificilmente o presidente Lobo conseguirá dar garantias de que o deposto não será perseguido pelo Judiciário, reconhece o diplomata.

Sem pesquisas confiáveis e com uma sociedade polarizada, é difícil mensurar o apoio interno a Zelaya. O assessor Tomé, que esteve com o deposto nos cinco meses de estada na embaixada do Brasil e o acompanhou inicialmente para o exílio, afirma que 6 milhões de hondurenhos assinaram o pedido de reforma constitucional. Essa cifra, porém, é altamente improvável, considerando que Honduras tem 8 milhões de habitantes, dos quais cerca de 1 milhão vive nos EUA.

Se puder servir de parâmetro, a composição do Congresso, eleito no fim do ano passado, aponta para um cenário oposto. Dos 128 deputados, apenas 4 dizem ser zelaystas, todos membros da legenda radical Unificação Democrática. Os dois grandes partidos de Honduras, o Liberal e o Nacional, que historicamente revezam-se no poder, opuseram-se a Zelaya após ele decidir impor no ano passado uma "quarta urna" com uma consulta popular.

"Honduras deve entender que seu ingresso (na OEA) não será possível sem uma mudança geopolítica na região", defendeu em editorial o jornal El Heraldo, o maior do país. "Diante dessa perspectiva, o melhor é parar de tentar voltar à organização."