Título: Política fiscal brasileira ainda precisa avançar
Autor: Fernandes, Adriana ; Verissimo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2010, Economia, p. B5

O resultado fiscal do setor público consolidado referente a maio, que sustentou um superávit primário baixo, da ordem de R$ 1,4 bilhão ante R$ 19,8 bilhões em abril e R$ 1,1 bilhão em maio, é indício de que a meta fiscal anual não deverá ser cumprida. Mais do que isso, o avanço dos gastos do governo, ainda que os investimentos estejam igualmente em alta, no curto prazo, em um momento em que a política monetária volta a ser contracionista, é ruim e evidencia uma política macroeconômica com duas orientações.

De um lado, continuamos a expandir os gastos primários e o crédito ao BNDES, via aumento do endividamento público. De outro, sustentamos uma política monetária correta que tenta conter a inflação com juros mais altos. O que falta é um ajuste fiscal definitivo, que traga maior razoabilidade ao desempenho dos gastos correntes, de forma a abrir espaço ao aumento dos investimentos, mas com resultados fiscais igualmente melhores.

O resultado do governo central foi deficitário em maio, ainda que o crescimento das receitas tenha novamente amenizado o forte avanço das despesas. Os demais componentes do setor público ? empresas estatais e os governos regionais ? foram superavitários, compensando o resultado negativo do governo central. Para os próximos meses, a continuidade do crescimento econômico deve manter as receitas em alta. No entanto, as despesas contratadas em orçamento ocuparão um espaço fiscal expressivo, o que deverá impedir a obtenção de um esforço primário alinhado à meta fiscal de 3,3% do PIB.

Assim, continuamos a esperar um primário superavitário em 2,63% do PIB, para 2010, que ficará em patamar acima do fechamento de 2009 (2,05%), mas abaixo do compromisso fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a ele ajustado apenas com a utilização do recurso contábil de abatimento de gastos do PAC da meta. Em última instância, o resultado não será ruim para a dinâmica fiscal de curto prazo, mas ficará aquém do potencial. Em outras palavras, perderemos mais uma oportunidade de promover contenção de gastos de forma a aproveitar o ciclo positivo da atividade econômica e a consequente elevação das receitas. De outro lado, mantendo a possibilidade de abatimentos contábeis e de concessão de crédito a instituições oficiais via emissão de dívida pública, irá se consolidar uma "contabilidade criativa" que só faz piorar as regras fiscais vigentes. Tal piora da transparência e aumento de riscos precisarão ser revertidos no início do próximo governo, a fim de que a dívida bruta seja compatível com os objetivos de melhora da austeridade fiscal, e a despesa primária possa contar com maior participação de investimentos em infraestrutura,