Título: Chanceler argentino renuncia após série de atritos com os Kirchners
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2010, Internacional, p. A18

Saída. Marginalizado no governo após 5 anos como ministro, Jorge Taiana teria se irritado com posição da presidente em disputas com Uruguai e EUA; substituto será embaixador em Washington, Héctor Timerman, que deve manter orientação da diplomacia

Jorge Taiana, peronista histórico e grande aliado do casal Kirchner, causou surpresa ontem ao apresentar sua renúncia "irrevogável" ao posto de chanceler, que ocupava havia cinco anos. A chancelaria argentina emitiu um breve comunicado no qual explicava que Taiana sentia "falta de apoio" e mantinha "diferenças" com a diplomacia defendida pela presidente Cristina Kirchner.

Segundo informações extraoficiais, Taiana teve uma "dura discussão" com Cristina por telefone momentos antes de renunciar. Nos bastidores, ele já vinha manifestando descontentamento com as ações da presidente.

Ele foi imediatamente substituído por Héctor Timerman, que ocupava o posto de embaixador em Washington, informou o chefe de gabinete de Cristina, Aníbal Fernández. Lacônico, o funcionário da Casa Rosada disse que a saída de Taiana se devia a "questões pessoais". Para a oposição, que critica duramente a atual política externa, o governo Cristina perdeu um de seus elementos mais "moderados". Elisa Carrió, líder do partido de centro-esquerda Coalizão Cívica, disse que "foi embora a única coisa boa desse governo".

Considerado kirchnerista ferrenho, o novo chanceler é filho do famoso jornalista e empresário Jacobo Timerman, brutalmente torturado durante a ditadura militar argentina. Analistas indicam que a designação de Timerman assegura a continuidade da política externa de Buenos Aires. O ex-vice-chanceler Andrés Cisneros vai ainda mais longe. Para ele, não haverá mudança, pois "a forma como os Kirchners lidam com o poder torna indiferente quem está no cargo de ministro".

Rusgas. Nos últimos anos, Taiana tentou abafar vários choques que teve com Cristina e seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner . Moderado, buscou superar tensões com o Uruguai causadas pela instalação da fábrica de celulose Botnia, além de fazer esforços para melhorar a relação com os EUA.

Taiana estava particularmente irritado com o que percebia como uma marginalização da chancelaria na estrutura do governo argentino. Um dos vários pontos de divergência foi a recente ordem do secretário de Comércio, Guillermo Moreno, de aplicar restrições à entrada de alimentos frescos do Brasil e da União Europeia. Há rumores, ainda, de que o Ministério do Planejamento obriga empresários argentinos interessados em exportar para a Venezuela a entrar em um esquema de pagamento de propinas.

A relação de Taiana com Timerman era tensa. O embaixador nos EUA, explicaram fontes diplomáticas ao Estado, comportava-se como um "chanceler paralelo" e tentava jogar Taiana para escanteio.

A relação do demissionário com Cristina teria começado a se deteriorar a partir da cúpula do Mercosul realizada em Assunção, em julho. Na ocasião, a presidente, famosa por seus atrasos, chegou com uma hora de demora à cúpula. Na frente de todos e ao vivo pela TV, Cristina - para justificar o atraso - colocou a culpa em Taiana. "A culpa é de meu chanceler, que me informou de forma errada a hora da reunião", disse. Taiana ficou calado.