Título: Serviços levam inflação a superar centro da meta
Autor: Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2010, Economia, p. B3

Estudo de técnicos do governo mostra que alimentação fora de casa, despesas pessoais e educação respondem por 76,8% da alta

A inflação de serviços - como alimentação fora de casa, empregado doméstico, cabeleireiro, entre outros - é o fator que ganhou maior relevância para explicar o comportamento do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nos últimos anos. Essa é a conclusão de levantamento obtido pelo Estado, elaborado por economistas do governo e que analisa o comportamento do índice oficial de inflação desde 2000.

O estudo está sendo usado dentro do governo para mostrar que a política de juros pode não ser tão eficiente para combater a inflação porque sua principal determinante estaria mais sujeita a fatores alheios à taxa Selic, como a política de elevação do salário mínimo.

O material constata que os preços administrados e monitorados (como energia e telefonia) e os bens comercializáveis (como roupas e alimentos) que no início da década eram os principais motores da inflação brasileira, nos últimos quatro anos têm rodado em média abaixo do IPCA cheio e da meta de 4,5%. Enquanto isso, os serviços - chamados no jargão de "não comercializáveis" - têm oscilado a maior parte do tempo acima de 6%, nível superior ao IPCA e à meta.

Olhando-se apenas a inflação dos últimos 12 meses encerrados em maio, o estudo destaca que os três principais itens que levaram o IPCA para níveis além da meta foram restaurantes e bares, despesas pessoais e educação. Nesse período, o índice oficial acumulou alta de 5,23%, acima, portanto, do centro da meta. Os três itens do segmento de não comercializáveis responderam, juntos, por 76,8% do desvio da inflação da meta.

Em junho (o IPCA do mês foi divulgado anteontem, depois que o estudo estava pronto), o quadro não muda. Com a inflação zero no mês, o resultado em 12 meses ficou em 4,84%. O item alimentação fora de casa, por exemplo, teve, no período, alta de 9,53%. Segundo fonte que elaborou o estudo, se esse item tivesse subido 4,5%, o IPCA em 12 meses teria sido de 4,35%.

Destaques. Os itens que mais contribuíram nos últimos 12 meses para segurar o IPCA foram alimentos e bebidas (comercializáveis), comunicação (preço monitorado) e saúde e cuidados pessoais (comercializáveis). Segundo um dos autores do trabalho, a queda que vem sendo observada na inflação de preços administrados nos últimos anos ocorre por fatores como a mudança nas regras de reajustes de tarifas, como de energia, e a maior concorrência em segmentos como telefonia. No caso de bens comercializáveis, a fonte destaca a valorização cambial e a política monetária restritiva do BC.

Segundo a fonte, uma das hipóteses para a alta constante e mais forte dos serviços é a política de elevação real do salário mínimo, que referencia, diretamente, itens importantes como empregado doméstico e, indiretamente, a remuneração de outros serviços, como cabeleireiros e alimentação fora de casa. Nesse sentido, outro participante do trabalho defende uma moderação a partir de agora na política de recuperação do salário mínimo, já que houve uma grande retomada do poder de compra do piso. Além do salário mínimo, a elevação da renda de uma forma geral, que estimula, por exemplo, o consumo em bares e restaurantes, é uma explicação adicional levantada pelas fontes.

A maior inflação de serviços tem como consequência prática sobrecarga da política monetária, segundo as fontes. Como esse itens são menos influenciados pelo crédito, o BC trabalha com juros maiores para reduzir mais a inflação de bens comercializáveis e também para manter a economia em ritmo menor para conter a expansão da renda, o canal que afeta o setor de serviços.

"Isso torna muito alto o custo de conter a inflação", afirmou a fonte, acrescentando que outra consequência é o aumento mais lento do potencial de crescimento do País, porque os juros altos não favorecem o investimento, o que prejudica o próprio combate à inflação no longo prazo.

Para o economista-chefe do banco Schain, Silvio Campos Neto, um dos caminhos é diminuir o ritmo de alta real do salário mínimo, um dos fatores que pesa na inflação de serviços. Outro, é atacar o problema da existência de alguns mecanismos de indexação, que afeta segmentos como educação e saúde, cujos reajustes seguem a inflação passada e pouco respondem à política monetária. É preciso um "arranjo institucional diferente", disse.