Título: UE condena veto de Portugal à venda da Vivo
Autor: Salomon, Marta
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2010, Negócios, p. B10

Corte da União Europeia considerou ilegal o uso da 'golden share', mas governo português ameaça ignorar decisão

O Tribunal de Justiça da União Europeia declarou ontem ilegal o bloqueio do governo de Portugal à venda de 50% de ações da Vivo detidas pela Portugal Telecom (PT). Segundo a corte, que se reuniu em Luxemburgo, o uso de ações com direitos especiais para vetar a aquisição da Telefónica é "injustificado" e fere a livre circulação de capital, um dos princípios do bloco econômico.

O cenário mantém o impasse em torno do controle da Vivo. Seguindo sua jurisprudência, a corte condenou o apelo às golden shares - as ações especiais - por parte do primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, mas o impacto do veredicto é, na prática, quase simbólico. "Ao manter na Portugal Telecom direitos especiais, conferidos em razão das "golden shares", Portugal não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da livre circulação de capitais", afirma o parecer. O Tribunal considera ainda que o exercício dos direitos especiais constitui uma restrição à livre circulação de capitais.

A corte também entende que as 500 golden shares detidas por Lisboa na PT atribuem uma influência desproporcional em relação ao capital do Estado na companhia. A interferência, diz a sentença, é "susceptível de desencorajar os investimentos por parte de operadores de outros países-membros".

A sentença foi saudada em Bruxelas pelo presidente da Comissão Europeia, o português José Manuel Durão Barroso. "Excetuados casos muito limitados e excepcionais, as "golden shares" são de fato contra o mercado interno, contra a livre circulação", reiterou. Barroso, entretanto, não precisou como obrigará Sócrates, seu sucessor político, a respeitar o parecer. "Veremos depois como implementar a decisão do Tribunal de Justiça."

Em tese, a sentença abriria caminho para que a Telefónica concretizasse a compra dos 50% de ações da PT na Vivo por ? 7,15 bilhões, a proposta apresentada em assembleia geral e aceita por 74% dos acionistas. Embora a imprensa espanhola tenha, literalmente, comemorado a decisão como uma vitória da Espanha sobre Portugal, as direções da Telefónica e da PT, cientes de que o imbróglio continua, foram mais cautelosas, porque, na prática, a disputa permanece.

À tarde, ambas as companhias emitiram nota pregando uma saída negociada para o impasse. A Telefónica se disse "disposta a continuar buscando as soluções possíveis para levar a operação a um bom fim". Com discurso semelhante, a PT afirmou estar "disponível para dialogar com Telefónica e analisar opções que otimizem vantagens para todas as partes".

Cautela. A cautela se dá porque o governo português demonstrou a intenção de desobedecer a determinação vinda de Luxemburgo. Horas após o comunicado do Tribunal de Justiça, Pedro Silva Pereira, ministro da presidência, veio a público e classificou a decisão como "meramente declarativa". "Os estatutos da PT permanecem em vigor, uma vez que é um acórdão com efeitos declarativos. Este acórdão não produziu nenhuma alteração em concreto na realidade."

Assim, o governo português entende que não está obrigado a revogar o veto à transação porque a decisão do tribunal não é retroativa, não anula o resultado da assembleia geral, e tampouco revoga o estatuto da PT, que ainda prevê a existência das 500 ações com direitos especiais.

Para manter o veto, José Sócrates poderia instigar a Caixa Geral de Depósitos (CGD) a adquirir as golden shares do governo português, servindo de representante das vontades do Estado. "A CGD é 100% do Estado e fará o que o Estado determinar", disse o presidente do banco público, Faria de Oliveira.