Título: Senador barra reforma do Cade para reduzir multas e evitar análise prévia
Autor: Salomon, Marta
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2010, Negócios, p. B10

Troca. Francisco Dornelles conseguiu tirar da pauta do Senado o projeto de reforma do sistema brasileiro da concorrência, vai propor emendas que mudam a espinha dorsal do projeto e. dessa forma, jogar para o próximo governo a implementação das mudanças

Uma manobra conduzida pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) deverá adiar para o sucessor de Lula a reforma do sistema brasileiro da concorrência. A proposta, que dá agilidade às aquisições e fusões, é considerada prioridade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da agenda parlamentar da indústria, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Dornelles conseguiu tirar o projeto da pauta de anteontem no Senado e anunciou que proporá duas emendas. A primeira delas reduzirá em pelo menos 93% o valor das multas aplicadas a quem viola regras da livre concorrência. Desde 1994, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem como limite para as multas o porcentual de 30% do faturamento bruto das empresas.

"Isso é confisco, fecha uma empresa", alega o senador, que nega ter recebido pedido de empresários para promover a mudança. "Eles não têm ideia do que seja uma multa de 30% sobre o faturamento bruto, com toda a violência das decisões, nunca aplicaram multa superior a 30%", completou Dornelles, numa referência crítica ao conselho, subordinado ao Ministério da Justiça. O senador quer que as multas não tenham porcentual mínimo e tenham como teto algo entre 1% e 2% do faturamento.

A maior multa aplicada até hoje pelo Cade foi de R$ 352,6 milhões. Há pouco menos de um ano, o conselho condenou por unanimidade a fabricante de bebidas AmBev por prejudicar a concorrência no mercado de cervejas, ao exigir exclusividade para seus produtos em pontos de venda. O valor da multa correspondeu a 2% do faturamento bruto da empresa em 2003. A AmBev detém mais de 70% do mercado de cerveja.

O maior porcentual já aplicado pelo Cade, porém, ficou entre 20% e 25% do faturamento da Whirpool, dona das marcas Brastemp e Consul. A empresa se comprometeu a pagar R$ 100 milhões em setembro do ano passado para sair da lista de acusados nas investigações de um cartel no setor de fabricantes de compressores usados em geladeiras.

Pilar. Outra emenda que Dornelles pretende apresentar ao projeto do novo Cade atinge o principal pilar da proposta, em discussão no Congresso desde 2005, depois de um debate prévio no governo que remonta ao segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Dornelles se opõe à análise prévia das fusões e aquisições de empresas. Esta é, contudo, a principal inovação prevista pela reforma do Cade.

Atualmente, a análise dos atos de concentração econômica é feita depois do anúncio dos negócios, demora muito tempo e gera incerteza econômica. No mundo, o atual sistema brasileiro só é visto em países como Egito e Paquistão.

A análise prévia, contra a qual investe Dornelles, é defendida até mesmo pelas empresas em geral e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). E ganhou o apoio entusiasmado de José Antonio Fay, presidente da BRF - Brasil Foods, empresa que resulta da fusão da Sadia e da Perdigão, até hoje sem o aval do governo, mais de um ano depois do anúncio do negócio. Fay vê no atual modelo um "freio" às ambições do empresariado e defende a reforma do Cade.

A proposta em votação no Congresso prevê um prazo máximo de 180 dias para a análise de fusões e aquisições complexas. As mais simples, que representam pouco mais que 90% dos casos analisados pelo Cade, seriam analisadas em até 20 dias.

Questionado sobre o novo obstáculo ao projeto de reforma do Cade, o presidente do conselho, Arthur Badin, se dispôs a uma nova rodada de informação aos senadores. "A nossa função é informar", disse. Porém, com novas emendas no Senado sem data para votação, a nova lei deve ficar mesmo para o ano que vem.