Título: Chávez ameaça apoderar-se de ações da última emissora crítica ao governo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2010, Internacional, p. A14

Ofensiva contra opositores. Os dois principais acionistas do canal Globovisión, que resiste a mudar sua linha editorial, têm ordem de prisão decretada; presidente acusa um deles, o empresário Nelson Mezerhane, de ter fugido do país com US$ 1,6 bilhão

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ameaçou ontem "recuperar" as ações da Globovisión, canal de TV de oposição e um dos poucos que ainda criticam abertamente o governo. Acusados pela Justiça chavista, dois principais acionistas da emissora, Guillermo Zuloaga e Nelson Mezerhane, estão foragidos.

Mezerhane é dono do Banco Federal, que sofreu intervenção do governo em junho. Humberto Ortega Díaz, ministro para Bancos Públicos da Venezuela, alegou que a instituição tinha "problemas de liquidez". Ontem, Chávez disse que o empresário fugiu do país com US$ 1,6 bilhão, dinheiro que pertenceria a 600 mil clientes de seu banco, incluindo o Estado venezuelano.

A procuradoria venezuelana solicitou na quinta-feira a prisão de Mezerhane por irregularidades financeiras. Quando foi anunciada a intervenção no Banco Federal, ele estava em Miami e disse que não voltaria à Venezuela. Autoridades já confiscaram um iate e duas lanchas do empresário e pediram à Interpol que ajude na busca.

Zuloaga, outro dono da Globovisión, desapareceu no mês passado após a emissão de um mandado de prisão contra ele e seu filho. Eles são acusados de guardar de maneira ilegal 24 automóveis importados para especulação. O empresário, que é dono de várias concessionárias de carros de luxo, nega a acusação e diz que ela tem motivação política.

"Esperarei um tempo para ver se os donos da Globovisión aparecem. Pensarei no que fazer com esse canal, porque os donos andam fugindo da Justiça", afirmou Chávez. "Parece que o Estado terá de recuperar as ações do canal como compensação pelo dinheiro que seus donos levaram."

Ameaças. Para o cientista político Alfredo Ramos Jimenez, do Centro de Investigações em Políticas Comparadas da Universidade dos Andes, as ações mostram a radicalização do governo Chávez. "O presidente está muito incomodado com as críticas que vem recebendo da imprensa por causa do escândalo dos alimentos", disse Jimenez ao Estado.

Ele se refere à descoberta, em junho, de cerca de 100 mil toneladas de carne estragada dentro de contêineres que o governo venezuelano havia importado. A carga deveria ter sido vendida a baixo preço na Venezuela. Chávez ficou em uma situação constrangedora, já que culpava os especuladores pela falta de produtos nos supermercados do país.

Coma proximidade das eleições legislativas, marcadas para setembro, Chávez estaria tentando conter as críticas para obter maioria na Assembleia Nacional - hoje, em razão do boicote da oposição, em 2005, ele domina quase todo o Parlamento.

No entanto, segundo analistas, dificilmente ele conseguirá uma maioria qualificada de dois terços do Legislativo. "Isto deve diminuir bastante os poderes de Chávez nos próximos anos", afirmou Jimenez, que não aposta em uma estatização da Globovisión.

Para o cientista político, um dos motivos da derrota de Chávez no referendo constitucional de 2007 foi o fechamento da Rádio Caracas Televisão (RCTV). "Seria muito arriscado tomar novamente uma medida tão impopular", disse Jimenez. "Os custos podem ser altos demais."

Em discurso, contudo, Chávez não abandonou o tom ameaçador. "A Globovisión, cumprindo instruções de seus proprietários, está tentando desestabilizar o país. Não vamos permitir isso", afirmou o presidente, que pretende intervir também em outras 300 empresas de Mezerhane para "ressarcir" os danos causados pelo Banco Federal. / REUTERS, AP E EFE. COLABOROU CRISTIANO DIAS

PROBLEMAS

Recessão

O país deve registrar o segundo ano consecutivo de baixa, tornando-se o único país da América Latina a não se recuperar da crise econômica mundial. Nas últimas semanas, Chávez mostrou sua intenção de ampliar o controle estatal sobre a economia

Eleições legislativas

Votação deve enfraquecer o controle chavista da Assembleia Nacional, dando espaço para a oposição - cuja estratégia de boicote em 2005 fracassou. Os índices de aprovação de Chávez foram afetados pelo racionamento elétrico e a crise econômica

Petróleo

É o quarto maior fornecedor dos EUA, mas as exportações estão ameaçadas pela redução da produção - por falta de investimento - e pela crescente demanda doméstica. Problemas em refinarias mantêm a produção abaixo dos níveis normais

Tensões diplomáticas

Chávez pode perder aliados após as eleições no Brasil, neste ano, e na Argentina, em 2011. Perdeu apoio de Panamá, Chile e Honduras. Cortou laços com a Colômbia após acordo militar do vizinho com os EUA

PONTOS-CHAVE

RCTV

Após 54 anos no ar, o governo fecha a rede RCTV, cuja concessão não foi renovada em 2007. Em janeiro de 2010, operadoras de cabo deixam de transmitir a RCTV internacional

Rádios

Comissão de Telecomunicações revogou concessão, desde janeiro, de 240 emissoras de rádio AM e FM. Governo justifica ação dizendo que as emissoras perderam prazo de recadastramento

Rede estatal

Presidente obriga 24 canais do sistema de TV a cabo a também transmitir seus comunicados em rede nacional. As emissoras foram classificadas como "produtoras audiovisuais nacionais"

Globovisión

Chávez disse que pode confiscar ações da última TV crítica ao governo, após série de denúncias contra dois de seus acionistas: Guillermo Zuloaga e Nelson Mezerhane