Título: Gel vaginal com remédio reduz casos de aids em até 54%, aponta estudo
Autor: Leite, Fabiane ; Orsi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/07/2010, Vida, p. A13

É a primeira vez que um microbicida de uso local é eficaz, mas testes precisarão ser replicados. No geral, redução foi de 39%. Melhores resultados ocorreram em mulheres que utilizaram adequadamente o fármaco, fabricado com o antirretroviral tenofovir

Um gel de aplicação vaginal foi eficaz contra o vírus da aids pela primeira vez na história das pesquisas de métodos preventivos contra o HIV e após vinte anos de tentativas. Segundo o estudo sul-africano, divulgado na revista científica Science, mulheres que usaram adequadamente o produto, que leva 1% do medicamento antirretroviral tenofovir, tiveram uma redução de 54% na incidência de infecção.

No geral, contando mulheres que falharam no uso do gel, as infecções diminuíram 39%, mostrou o trabalho. A instrução era a de que uma dose fosse aplicada na vagina menos de12 horas antes da relação sexual e outra, no máximo 12 horas depois.

Para se ter uma ideia da importância do resultado, a performance foi melhor que a de testes recentes de uma vacina contra o vírus, que ganharam repercussão mundial com uma redução de 31% das infecções. Uma simulação matemática indicou que, se os níveis de eficácia do gel de tenofovir se confirmarem, apenas na África do Sul seu uso poderá salvar pelo menos 820 mil vidas ao longo de 20 anos.

Além disso, o desenvolvimento de microbicidas poderá ser um importante passo para dar mais poder às mulheres na prevenção da aids. Eles podem ser controlados pela mulher, independentemente da vontade dos parceiros. Estudos demonstram que as desigualdades entre gêneros levam a dificuldades na negociação do uso do preservativo masculino, principal ferramenta de prevenção ao HIV.

Os líderes do estudo, pesquisadores do Centro de Pesquisas sobre Aids da África do Sul, destacaram que a incidência de infecções ainda é alta. E que o gel é uma nova arma com resultados promissores, mas que precisará ser usada junto com um conjunto de estratégias, incluindo os preservativos. Eles apontaram também dificuldades para adesão ao uso do produto e enfatizaram que a amostra de 889 mulheres é pequena. Por fim alertaram que não é incomum que um resultado positivo inicial acabe desmentido em novos testes.

"Espero que esse não seja o caso aqui", disse Salim Abdool Karim, em entrevista transmitida para a conferência internacional de aids que ocorre em Viena, o mais importante evento sobre o tema. "Mas eu gostaria de ver novos estudos", continuou o pesquisador, que trabalhou ao lado da mulher, Quarraisha Karim.

Os pesquisadores reconhecem ainda que poderão enfrentar críticas quanto à ética de reproduzir o experimento com placebo, já que isso envolverá negar a participantes o acesso a um produto que pode protegê-las.

Apesar das ressalvas, Karim comemorou os resultados. "Vamos fazer uma dança feliz", brincou com jornalistas.

O trabalho dos pesquisadores recebeu apoio dos governos da África do Sul e dos Estados Unidos, além de participação de pesquisadores da Universidade Columbia, de Nova York, e de Kwa-Zulu Natal, em Durban, África do Sul. Não houve participação direta da indústria farmacêutica. A fabricante do tenofovir, a Gillead, apenas cedeu a droga sem a cobrança de royalties.

Avanço. Segundo o infectologista Esper Kallas, da Faculdade de Medicina da USP, o grupo é um dos mais respeitados do mundo e o trabalho significa "um salto", "uma nova avenida para novos estudos".

"Mas isso é adicional, não vai tirar a camisinha do arsenal de prevenção", diz. Kallas explica que o trabalho poderá trazer uma nova alternativa para mulheres que têm dificuldades para negociar o uso do preservativo. "O fato de mostrar o benefício não significa que isso será distribuído do dia para a noite pelos governos. É preciso discutir quem são os candidatos ideais para recebê-lo", continuou.

"Estamos avançando na proteção da mulher. Mas os 46% que contraíram o HIV mesmo usando o gel são significativos e ainda há outras doenças sexualmente transmissíveis", disse Jenice Pisão, fundadora do grupo Cidadãs Positivas, de apoio a mulheres que vivem com o HIV.

O gel, se tiver a eficácia confirmada, não deve chegar ao mercado antes de dois anos. Em termos de segurança, não causou efeitos negativos significativos. Os mais frequentes foram diarreia leve. Uma mulher morreu possivelmente em decorrência de efeito adverso.

Para lembrar Vários recursos médicos e farmacológicos vêm sendo testados na luta contra o HIV. O principal método de prevenção comprovado continua sendo o uso de preservativos nas relações sexuais.

Após uma onda de fracassos em pesquisas sobre vacinas e géis microbicidas com outras substâncias, o sucesso de um teste de imunizante foi comemorado em setembro do ano passado, mas também com a ressalva de que não poderá ser utilizado como método isolado. Já a circuncisão masculina reduziu a incidência de aids em 57% nos testes. Estão em testes ainda o uso de antirretrovirais por via oral para prevenir a infecção em diferentes grupos. Segundo Esper Kallas, da USP, há resistência das próprias farmacêuticas na aplicação das drogas para prevenção, pelo temor de processo em caso de falhas e também em razão de redução dos lucros. "Prevenir é mais barato."

Com agências.