Título: Plano coletivo é aposta de risco para driblar preço
Autor: Leite, Fabiane ; Toledo, Karina
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/07/2010, Vida, p. A24

Saúde. Reajuste de dois dígitos e rescisão inesperada do contrato estão entre os problemas que atormentam os clientes que deixaram de contratar um plano individual por causa do alto custo; regulamentação não abarcou essa categoria, que está desprotegida

Depois de ter a mão esquerda esfacelada em um acidente de carro, o consultor Wanderley de Oliveira, de 55 anos, precisou remarcar a cirurgia corretiva três vezes. Quando estava na última tentativa, a operadora do plano coletivo a que Oliveira havia aderido decidiu rescindir o contrato. Ele teve de recorrer à Justiça.

Ao obter a ordem judicial, o consultor conseguiu realizar a operação, mas apenas um ano e sete dias após o acidente. A demora deixou sequelas. "O resultado não foi o mesmo que teria sido se tivesse feito a cirurgia há um ano. Alguns movimentos não consigo mais fazer", relata Oliveira, associado da Amesp, comprada pela Medial.

Esquecidos na regulamentação dos planos de saúde em 1998, os coletivos são motivo de desespero para pequenos empresários e grupos que recorrem a eles para fugir dos altos preços dos individuais. Sem força para negociar com as operadoras do setor, os usuários se apavoram com reajustes de dois dígitos e rescisões de contratos inesperadas, como a de Oliveira.

Os planos de saúde coletivos, que dominam o mercado brasileiro, são aqueles pagos pela empresa a funcionários. Há ainda os planos coletivos por adesão: entidades profissionais, como um conselho de classe ou um sindicato, oferecem um plano para pessoas da categoria.

Nos coletivos, as operadoras podem reajustar livremente as mensalidades, uma vez por ano, assim como rescindir contratos sem motivo. Basta uma carta de aviso. Por isso, entidades dos consumidores dizem que os coletivos estão fora da lei dos planos. Mas muitos clientes não entendem isso ao assinar um contrato.

O próprio diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Maurício Ceschin, admite que os "pequenos" estão em desvantagem no mercado de "tubarões" dos coletivos.

"O problema é quando o pool (de consumidores) é menor. Olhar isso de uma forma mais atenta é imprescindível. E criar mecanismos de proteção", declarou ao Estado. Em seguida, porém, admitiu que ainda não há discussões na agência para isso (mais informações na pág. A25).

Hoje, só os planos individuais, acordados diretamente entre o cliente titular e a operadora de saúde, têm os reajustes controlados pelo governo. Esses reajustes, porém, são baseados numa fórmula matemática que reflete a livre negociação de preços dos coletivos. Em razão disso, os planos individuais tornaram-se um produto escasso e caro. Quem não consegue pagá-los vai atrás de um coletivo.

Relação igualitária. O entendimento do governo e dos órgãos reguladores desde a regulamentação é que as relações entre as partes são mais igualitárias nos coletivos, daí a liberdade para negociar preços. O problema é que, além de grandes empresas, eles também incluem grupos bem menores - como pequenos comerciantes.

No fim de 2009, a ANS, órgão regulador do setor de convênios, trouxe algumas regras, como a dos reajustes anuais. Ficou em aberto, no entanto, qual seria o critério para considerar um plano como coletivo. Operadoras ainda permitem, por exemplo, associações de três indivíduos e pessoas da mesma família, o que sujeita esses grupos a reajustes pesados se alguém adoecer.

O empresário Oscar Noguchi, de 61 anos, que mantém um plano coletivo para quatro familiares, recebeu recentemente um aumento inesperado de 35% da Medial, empresa da qual era associado havia quatro anos.

"Naquela época, o individual era muito caro e a corretora abriu a oportunidade de fazermos o coletivo. Os reajustes nos últimos anos tinham sido de 8%. Você não tem proteção, não tem nada", diz Noguchi, que desistiu do plano.

Ele lembra que no ano anterior ao reajuste havia feito uma operação para retirar pedra da vesícula. Outro familiar, uma cintilografia. "É uma punição."