Título: Para especialistas, falta competência técnica ao Inep
Autor: Moura, Rafael Moraes
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2010, Vida, p. A24

Para eles, órgão revelou despreparo para o Enem e esqueceu de sua prioridade - a pesquisa para orientar políticas públicas na área

Para especialistas em avaliação na área de educação, o vazamento na internet dos dados pessoais dos inscritos nas últimas três edições do Enem demonstrou a falta de competência técnica do Inep para executar uma prova nos moldes exigidos.

"Não parece razoável que o sistema tenha essa fragilidade", afirmou a ex-presidente do Inep Maria Helena Guimarães de Castro. Ela lembra que o órgão sempre teve armazenado o cadastro dos alunos, que era disponibilizado para instituições de ensino mediante senha, com segurança.

A ex-secretária da Educação do Estado de São Paulo afirma não estar certa de que "a aplicação do exame a milhares de alunos com essa finalidade gigantesca, que é servir como vestibular, pareça adequada do ponto de vista da logística". Maria Helena critica as múltiplas funções do Enem. O exame, que começou como uma avaliação dos alunos do ensino médio, hoje dá certificação a jovens e adultos e serve como vestibular para universidades e institutos federais do País.

A transformação do exame em vestibular, para o professor da Faculdade de Educação da USP Ocimar Munhoz Alavar, criou "tensões sobre o sistema". "Há um dimensionamento da tarefa para o qual o Inep talvez não esteja preparado." Reynaldo Fernandes, presidente do Inep quando a prova foi furtada, não quis comentar o vazamento.

Criado em 1937, o Inep tinha como prioridade a pesquisa para orientar a formulação de políticas públicas. Nos últimos anos ´também passou a ser avaliador. A mudança não foi bem assimilada por pesquisadores da área de educação.

Mesmo evitando criticar a gestão atual do Inep, o ex-presidente do órgão Otaviano Helene ressaltou a importância do instituto no contexto do sistema educacional, principalmente por conta de sua base de dados. Para Helene, a política educacional no País deveria ser mais consistente. "O problema é que os dados não são aproveitados para isso."

Aparelhado politicamente e inchado de servidores subaproveitados alojados em uma nova sede milionária, o Inep virou uma central de problemas e fraudes.

Em abril, os servidores iniciaram uma greve que se arrastou por 50 dias e reivindicava mudança no plano de carreira. O descontentamento é geral. Hoje, entre os 150 pesquisadores - gente qualificada com mestrado e doutorado - há aqueles que desempenham funções burocráticas, como atender telefone. São pesquisadores que não pesquisam.

Como os salários oferecidos em outros órgãos governamentais são mais atraentes, perde-se gente. O estratégico setor de tecnologia de informação, responsável por armazenar dados sigilosos, fica a cargo de uma equipe terceirizada, apurou o Estado.