Título: Mercado de câmbio intriga analistas
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2010, Economia, p. B9

Números do BC mostram um descompasso entre os dólares que entram no País e o volume de reservas acumuladas pelo próprio banco

O comportamento do mercado de câmbio brasileiro tem intrigado muitos analistas e o próprio Banco Central (BC). Há um descompasso entre a entrada de moeda americana no País e o montante de reservas acumuladas pela autoridade monetária.

A hipótese mais aceita hoje é a de que a diferença se explique pela ação dos investidores, que já antecipam a forte entrada de dinheiro no País prevista para os próximos meses. A estratégia, porém, embute riscos para a economia em geral.

Os números ajudam a compreender as indagações cada vez mais frequentes de especialistas. Do início do ano até o dia 23 de julho, o ingresso líquido (entradas menos saídas) de dólares no País estava positivo em pouco mais de US$ 1 bilhão. No mesmo período, o Banco Central comprou quase US$ 15 bilhões para as reservas.

Os dados causam estranheza pois, desde que a atual gestão assumiu o comando do BC, a política de aquisição de reservas obedecia a um princípio: só era comprado o que sobrava do fluxo de entradas e saídas. Neste ano, porém, o volume adquirido supera em aproximadamente 15 vezes o fluxo.

Bancos. A explicação para a diferença passa pelo posicionamento dos bancos no mercado cambial. Segundo dados do Banco Central, as instituições financeiras estavam "vendidas" em US$ 13 bilhões no fim de junho. Isso significa que venderam ao BC esse volume.

"Os bancos já fizeram movimento semelhante quando houve a abertura de capital do Santander. Ficaram "vendidos" meses antes da operação e, quando o dinheiro entrou, compraram grande parte e "zeraram" as posições", comenta um analista.

O BC não está preocupado com os bancos, que estão sob sua supervisão e, até o momento, seguem as regras a que estão submetidos (por exemplo, têm mantido no exterior montantes equivalentes à posição "vendida" para o BC aqui dentro).

O risco está localizado em entidades que não estão sob o guarda-chuva da autoridade monetária. Fundos de investimento estrangeiros, por exemplo, estão "vendidos" na BM&FBovespa em cerca de US$ 8 bilhões. Eles reverteram rapidamente suas posições no mercado. Até meados de junho, apostavam na direção oposta, ou seja, na valorização do dólar ante o real.

A mudança, acredita-se no mercado, se explica pelo provável ingresso de recursos no Brasil nos próximos meses. O maior destaque é a megaoperação de capitalização da Petrobrás, agendada para setembro, que deve trazer cerca de US$ 20 bilhões. Há, ainda, a expectativa de que mais empresas abram capital na BM&FBovespa e de que o investimento estrangeiro direto volte a crescer com força.

Riscos. O principal risco aparece justamente neste ponto. O que acontecerá no mercado cambial caso as perspectivas positivas não se confirmem? E se a Petrobrás atrasar a capitalização, como parte do mercado já especula? Para onde iria a cotação do dólar? Qual o impacto de uma eventual desvalorização do real na inflação? Sexta-feira, a moeda americana fechou no menor nível desde abril, cotada a R$ 1,755.

Com os montantes envolvidos hoje, não existe o temor de que ocorra algo semelhante ao que aconteceu no segundo semestre de 2008. A disparada do dólar que se seguiu ao estouro da crise global fez várias empresas, como a Sadia e a Aracruz, por exemplo, registrarem perdas enormes com apostas nos mercados futuros. No entanto, se as posições especulativas crescerem, um eventual dano não pode ser desprezado.

Por isso, há cerca de dez dias, funcionários do BC consultaram mesas de operação de bancos e corretoras para saber se havia interesse em negociar um instrumento financeiro chamado de swap cambial - o que, na prática, equivale a comprar dólares.

Para operadores, a consulta da autoridade monetária foi uma espécie de aviso para os especuladores. O swap cambial foi uma arma usada pelo BC em outros momentos. Mostrou-se letal para quem apostava fortemente na valorização do real e foi pego no contrapé com um recuo da moeda brasileira.