Título: Cresce o interesse chinês pelo Brasil
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2010, Economia, p. B10/11

País vai encostar no Japão na lista de nações com maior estoque de recursos para investir

Se o pouco mais de US$ 11 bilhões de investimentos chineses no Brasil anunciados desde o início do ano se concretizar, o antigo Império do Meio vai encostar no Japão no ranking das nações com maior estoque de recursos para atividades produtivas no País.

Com os negócios divulgados até agora, a China já assumiu o primeiro lugar entre os investidores estrangeiros no Brasil em 2010, posição ocupada no ano passado pelos Países Baixos, com US$ 6,52 bilhões.

Quando se considera a soma dos recursos colocados por empresas estrangeiras no Brasil ao longo dos anos - o chamado estoque -, a China pode passar neste ano da 42.ª para a 9.ª ou 10.ª posição, sempre na hipótese de os anúncios dos últimos meses se confirmarem. É uma mudança espetacular para um país que até o ano passado pautava seu relacionamento com o Brasil pelo comércio, mas continuava virtualmente ausente do investimento em atividades produtivas.

Embaixador do Brasil em Pequim desde 2008, Clodoaldo Hugueney diz que esse novo cenário ficou evidente em 2010. "Desde que cheguei aqui vi uma mudança muito grande. Antes era basicamente comércio. Agora há um movimento intenso de empresas que querem se estabelecer e produzir no Brasil."

No fim do ano passado, o estoque de investimentos chineses no País era de US$ 254 milhões, o equivalente a 0,1% do total ou a 0,4% dos US$ 64,85 bilhões detidos pelos Estados Unidos, líderes no ranking.

"É natural que os investimentos da China no exterior aumentem. O país já é a segunda maior economia do mundo e o porcentual dos investimentos externos em relação ao PIB ainda é muito baixo", pondera a conselheira Tatiana Rosito, responsável pelo setor econômico-comercial da Embaixada do Brasil em Pequim.

Segundo Tatiana, a soma dos investimentos da China em outros países só ultrapassou a marca dos US$ 10 bilhões em 1993. Entre 2000 e 2009, saltou de US$ 30 bilhões para US$ 228 bilhões.

Mercados. No ano passado, o estoque dos recursos destinados pelo Brasil a atividades produtivas em outros países era de US$ 160 bilhões, mas sua economia equivalia a menos de um terço da chinesa, o que evidencia o potencial de expansão dos investimentos do país asiático.

O movimento apontado por Hugueney é um indício de que a cifra de US$ 11 bilhões anunciada desde o início de 2010 poderá ser superada. "Não é difícil que se chegue aos US$ 15 bilhões", acredita Roberto Dumas Damas, representante do Itaú BBA na China. Os US$ 11 bilhões representam mais de um terço dos US$ 31,7 bilhões em Investimento Estrangeiro Direto (IED) que o Brasil recebeu em todo o ano passado.

Os negócios divulgados nos últimos meses não se refletiram ainda nas estatísticas do Banco Central, que registram entrada de US$ 366 milhões de recursos chineses nos primeiros seis meses do ano, 4,4 vezes mais que o movimento de 2009.

Se todos os anúncios se concretizarem, a China passará a ter um estoque de investimentos no Brasil maior que o de países como Portugal, Canadá, Itália e Reino Unido. A crise que assolou o mundo em 2008 foi um fator fundamental para a aceleração dos investimentos chineses no exterior. Com a retração do crescimento nos Estados Unidos e na Europa, as empresas do país passaram a buscar mercados em outras regiões e a estimular a demanda por seus produtos por meio dos investimentos.

A construção do Trem de Alta Velocidade (TAV) entre Campinas, São Paulo e Rio, por exemplo, é vista por Pequim como uma ótima oportunidade de exportação de tecnologia e de equipamentos fabricados na China - o país já confirmou que participará da licitação para escolha do responsável pela obra, marcada para o fim do ano.

Matérias-primas. O fato de a economia brasileira ter se recuperado bem da crise e ter boas perspectivas de crescimento torna o País atrativo para os investidores chineses, observa Hugueney. Mas, além de bons negócios, Pequim busca garantir o suprimento de alimentos para sua população e o fornecimento de matérias-primas necessárias à manutenção de um ritmo de crescimento anual próximo de dois dígitos.

Maior produtor de minério de ferro e segundo maior de soja do mundo, o Brasil é uma fonte essencial de bens que a China vê como estratégicos - o minério é a principal matéria-prima do aço utilizado nas infindáveis obras espalhadas pelo país asiático.

O terremoto financeiro que atingiu o mundo há quase dois anos também forçou as autoridades de Pequim a buscarem com mais ênfase o rebalanceamento da economia chinesa, com o aumento do peso do consumo interno e redução da participação das exportações no Produto Interno Bruto (PIB).

"Com o aumento da renda e o processo de urbanização, a demanda dos chineses por alimentos e matérias-primas vai crescer ainda mais", diz Dumas, ressaltando que isso deve estimular ainda mais o apetite de chineses por investimentos nessas áreas