Título: Alteração da Lei de Direito Autoral
Autor: Nobre, Marlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2010, Opinião, p. 23

Maestro e compositor, Premio Tomás Luis de Victoria 2005

Tenho acompanhado com crescente preocupação as diversas manifestações do Ministério da Cultura (Minc) sobre as alterações que propõe para o direito autoral no Brasil. O que me leva a escrever agora é um impulso irresistível de quem vive, diretamente, do fruto do trabalho como criador musical. Ou seja, sou um compositor brasileiro de música de concerto, essa faixa especialíssima de atividade que, até agora, não vi ser levada em consideração nem mencionada especificamente na proposta de revisão. Para começo de conversa, declaro-me contrário ao espírito e à forma do texto preparado pelos técnicos do Minc.

Parto inicialmente do fundo da questão, ou seja, o perigo que encerra tal reforma para quem vive ou deseja viver do fruto do seu trabalho como compositor no Brasil. Partindo do fundamento da questão vejo dois pontos essenciais: a) como brasileiro, como compositor, quero ter o direito de verem respeitados meus direitos constitucionais e legais partindo do princípio Ao autor pertence o direito exclusivo de utilizar e de autorizar a utilização de sua obra; b) como artista não posso suportar a imagem de um governo interferindo nos meus direitos autorais.

O mundo inteiro, é evidente, vem sofrendo alterações profundas nas relações e posições dos criadores (compositores musicais, romancistas, poetas) frente aos novos mecanismos em constante evolução na internet. Esse problema é de tal magnitude e de tal imprevisibilidade que ninguém teve até hoje a ousadia de prever o desfecho da história, que pode tomar um rumo totalmente imprevisível e desconhecido por nós todos. O Minc bem faria se estudasse em profundidade esse problema. Minha preocupação maior: essa atual proposta intervencionista, inspirada em um daqueles conhecidos devaneios com características delirantes, aponta também para um possível e preocupante dirigismo cultural e político que nem a própria União Soviética, no período ditatorial comunista, ousou fazer. Naquele período, os compositores eram protegidos pelo Estado e suas obras igualmente protegidas da sanha do mercado.

Se o Minc acredita que o artista e o criador não devem ter mais qualquer controle sobre as obras que criam, como aparece no texto da reforma proposta, então vamos em direção ao desconhecido e ao improvável, vamos de mal a pior.

Cobrar do artista, como essa proposta do Minc pretende fazê-lo, para que o criador do produto cultural renuncie unilateralmente a seus direitos sob o pretexto do Minc estar protegendo os direitos de produtores de conteúdos, sem mais a necessária autorização remunerada dos autores das obras, é um axioma lesivo aos nossos direitos constitucionais.

O Minc critica a existência e a forma de ação de uma entidade como o Escritório Central de Arrecadação (Ecad). Que eu saiba, não houve por parte dos criadores brasileiros delegação dada ao Minc para resolver esse ponto específico. Exterminar o Ecad para criar em seu lugar, exatamente, o quê? Pertencemos a sociedades de direitos autorais e, através delas, como sociedade civil, procuramos reclamar e pedir aperfeiçoamentos da máquina arrecadadora. O que o governo federal tem a ver com isso? Vai criar em lugar do Ecad mais uma estatal com seu habitual aglomerado de empregados aliciados nos partidos políticos da vez? Se o Minc quer fazer algo para o futuro (esperamos que ele exista), então estude formas de romper os mecanismos que entorpecem e liquidam com a verdadeira produção cultural neste país.

E, por favor, deixem-nos criar em paz nossas obras e que sejam nosso patrimônio, aliás o único verdadeiro que deixaremos para o futuro de nossos filhos e descendentes. Esse direito, sim, é constitucional, líquido e irremovível e, para que prevaleça, devemos todos nos unir para evitar a catástrofe que se anuncia.