Título: Mercado desconfia da capitalização da Petrobrás
Autor: Lima, Kelly
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2010, Economai, p. B4
O risco de interferência política e de falta de transparência no processo de capitalização da estatal causa preocupação aos analistas do setor
O risco de interferência política na decisão sobre os valores que envolvem a capitalização da Petrobrás e a cessão de 5 bilhões de barris de reservas no pré-sal da União à estatal causa preocupação no mercado financeiro.
"A questão é saber até que ponto a decisão será clara e transparente o suficiente para convencer o mercado de que foi baseada em condições técnicas e não em benefícios ao governo", avalia o analista-chefe da Modal Asset, Eduardo Roche.
Para ele, "é natural que quem vai comprar (os barris) queira um preço menor e quem vai vender queira um preço maior". Informações obtidas pela Agência Estado indicam que a Petrobrás quer pagar US$ 5 por cada barril, enquanto a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que representa a União, pretende subir o preço para US$8. Os dois preços representam uma diferença de US$ 15 bilhões no valor final.
A Petrobrás sofrerá, em mercado, os efeitos negativos dessas incertezas, avaliam analistas. Ontem, as ações ordinárias da empresa apenas acompanharam a queda constatada no Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa), de 0,94%, enquanto os papéis preferenciais caíram um pouco mais: -1,32%.
Também são aguardados os valores do aumento de capital e a confirmação da data da operação. Para Roche, não há qualquer alternativa para o investidor a não ser acompanhar as notícias e esperar. "Não é momento para tentar antecipar qualquer movimento", comentou. Sobre a indefinição no valor do barril da cessão onerosa, ou mesmo sobre a possibilidade de a Petrobrás acelerar o desenvolvimento das áreas recebidas nesse processo, ele diz que "aumentam as incertezas e isso eleva o risco".
Para outro analista do mercado financeiro, que preferiu não se identificar, o ideal seria que os laudos das consultorias contratadas pela ANP (GCA - Gaffney, Cline & Associates) e pela Petrobrás (De Golyer & Mc Naughton) fossem abertos ao público e os valores divulgados. "Se for considerada a média entre o pior e o melhor cenário, como acontece em outras empresas, haverá um maior respeito do mercado pela decisão", avaliou .
Minoritários. Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, caso o governo estabeleça o preço do barril das reservas acima do que vem sendo comentado pelo mercado desde o início do processo de capitalização (U$5 a US$ 6 por barril), "os investidores minoritários terão pouco interesse na operação de capitalização". Isso possibilitará ao governo, segundo ele, ampliar sua participação, exercendo o direito de compra da sobra de novas ações não subscritas.
Para Pires isso também não é bom para a Petrobrás, porque reduz a entrada de recursos dos acionistas privados, que participarão da operação com dinheiro e não com títulos públicos, como a União.
A possibilidade de a Petrobrás reduzir o índice de nacionalização na exploração das áreas da cessão onerosa também foi mal recebida, pela indústria quanto pelo mercado financeiro. "Isso atropelaria o planejamento estratégico da empresa e acrescentaria um volume estrondoso de novos investimentos aos já ambiciosos US$ 224 bilhões previstos para até 2014", disse Roche.